quarta-feira, 29 de março de 2017

Inebriante perfume de uma bela donna...

Exausto do trabalho, chega ao quarto do hotel. Liga o ar condicionado ao máximo, toma um banho super quente, demorado. Relaxado, sai do banheiro nu e o choque térmico arrepia sua pele. Vê a cama forrada com uma colcha colorida de artesanato local. Será pouco para o ar condicionado resfolegante. Acha um cobertor fino, naquela cor bege de esconder sujeiras. Arruma-o sobre a colcha e o lençol, liga a tevê, ajeita os travesseiros e joga-se nu sob as três peças. O controle remoto dispara à procura de algo assistível. Acha um filme italiano em preto e branco – uma "donna" voluptuosa dançando numa fonte histórica. Escorrega no colchão e puxa o cobertor mais para cima. Um intenso perfume feminino o envolve. Sonolento, mistura o doce cheiro com o filme, adormece e, naturalmente, tem um sonho erótico, ele, a "donna", uma champanha, gotas do perfume e mais nada...

Acorda com o celular berrando. O perfume feminino ainda é forte. Sorri ao lembrar-se do sonho. Enrola-se no cobertor e corre para o banheiro, atravessando o gélido quarto. Número um, número dois, serviço sujo feito, o odor feminino do cobertor faz pensar no filme, no sonho.... isso basta para ele bater umazinha. Satisfeito, banho, dentes escovados, barba feita. Nu, arrasta o cobertor e enfrenta o Polo Sul. Cheira o cobertor mais uma vez, localiza uma mancha escura na barra acetinada, como se alguém tivesse deixado virar o frasco.  Recorta-a. Precisava encontrar a fabulosa dona do perfume inebriante!

- Dou cemzinho pela lista dos hóspedes dos últimos seis meses do meu quarto.

Passara o dia com a perfumada desconhecida na cabeça. Agora negocia com o atendente noturno da portaria do hotel. Precisa localizá-la!

- O senhor sabe que esses dados são cobertos pelo sigilo...
- Duzentos...
- Posso ser demitido...
- Quatrocentos...
- E o que o senhor vai fazer com esses dados?
- Só curiosidade.... quinhentão,  mais  do que você ganha numa semana.
- Vou ver o que consigo. Tenho que entrar no sistema sem usar minha senha.
- Como você vai fazer, não sei. Espero até amanhã. Quinhentão, viu? Cash!

A lista: nome, endereço, idade, telefone, email. Homens, na maioria. Mulheres de alguns deles. Algumas mulheres sozinhas. Qual delas seria a dona do perfume? Ou seria uma prostituta sem registro? Cheira o cobertor, aspira uma, duas vezes.... de quenga não é, conclui. Haveria gravação de imagens da porta do seu quarto? Outros quinhentos e um DVD cai em suas mãos.

Como achar a perfumada? Resolve adotar método científico de pesquisa, afinal é um contador experiente. O perfume só pode ser de uma mulher sofisticada,  com idade entre 30 e 40 anos, pensa. Cruza as imagens com os nomes, seleciona: duas cariocas, três paulistas, duas mineiras, uma de Brasília, outra de Salvador e uma de São Luiz, talvez parente da Roseane Sarney. Revê as imagens e seleciona uma pernambucana e outra cearense. Doze mulheres. Joga os nomes no Google, nas redes sociais. Confirma nove delas como possíveis estrelas de comercial do perfume; em três delas encontra comportamento incompatível com o perfume sofisticado. Investe:

- Bom dia (ou boa tarde ou boa noite), aqui é do hotel Luxor, gostaríamos de falar com a Sra. Fulana de tal. É ela? Encontramos um vidro de perfume no quarto onde a senhora se hospedou e pensamos que poderia ser seu. A marca está ilegível. Não é seu? Desculpe o incômodo. Bom dia (boa tarde, boa noite).

Nove tentativas infrutíferas. Liga para as três rejeitadas, o resultado é o mesmo. Seria alguma daquelas não selecionadas? Larga o caráter científico da pesquisa e liga para cinco outras da lista, escolhidas aleatoriamente, sem ver suas imagens. Nada consegue. Não desanima. Percorre toda a relação feminina e nada. Será que o perfume seria de um homem travestido? Não!!!

Entre reuniões de trabalho, leva o pedaço do cobertor às lojas de perfumes. Ninguém identifica o aroma. Raro produto importado, com certeza, dizem.

Está no bar do hotel bebericando um drinque local. Último dia na cidade. O sol se põe no mar à sua frente em tons dramáticos, sanguíneos. Um piano divulga bossa nova, standards americanos. Missão cumprida, auditoria pronta, amanhã retornará ao lar. Levará o pequeno retalho acetinado como lembrança de uma bela e desconhecida dona. O que faria se a encontrasse? Tudo! Surge em sua mente a dúvida: e se fosse uma quenga? Uma acompanhante de executivos? Pergunta para o cordial atendente dos quinhentos reais se não há um catálogo de acompanhantes noturnas. O funcionário aponta uma mesa do bar, quatro mulheres, indica outra mesa, mais cinco.

- Proibimos, não deixamos subir. Davam problemas, risco de segurança. Aquelas são credenciadas. Você vai ficar satisfeito, são limpinhas, cheirosas...

Ele resolve conferir as cheirosas. Primeiro as quatro, depois as cinco. Pesquisa infrutífera. Como a carne é fraca e ele não precisa levantar cedo, escolhe a mais voluptuosa para esquentá-lo no quarto siberiano. Prêmio do guerreiro.

Acorda tarde, a mulher de aluguel já se foi. Veste-se, arruma a bagagem e desce para o café da manhã. Resolve ir pelas escadas, só três andares. Abre a porta corta-fogo e é surpreendido pelo inebriante perfume desconhecido. Uma camareira o olha surpresa. Uns vinte anos, pequena, magra, cabelos negros presos por rede escura, rosto bruto e redondo, unhas vermelhas, um batom vulgar. Um grande contraste com o imaginado comercial do perfume.

- Ótimo perfume. Onde você comprou?
- Minha vó que faz, com ervas e flores do sítio. Tô aqui com o vidro.

Ela tira do bolso da saia um frasco simplório com um líquido esverdeado. Destampa-o e o aroma intenso se espalha. Ele fecha os olhos, imagina a mulher nua na fonte, na cama... nua não, enrolada no cobertor, no escuro...

- Quer ganhar quinhentão cash? Mais do que você ganha numa semana...

José FRID

Nenhum comentário: