Ela atravessa a rua, o Teatro Municipal às suas costas, põe os dez centímetros sob seus pés no Viaduto do Chá e já o vê ao longe, no lugar usual, à sombra do pilar, monumento de concreto e aço. Ele, o banquinho, a bengala e a mão estendida. Respira, ajeita a roupa e segue pensando na reunião, que foi um fracasso, não fechará o contrato. Maquiagem, cabelo, sapatos e cinta inúteis.
Ele toma quase metade da calçada do viaduto, os pedestres não têm como ignorá-lo. Aboletado em seu frágil banquinho, a bengala na vertical, o braço na horizontal, o tronco inclinado buscando um equilíbrio estável, a mão estendida buscando os corações e bolsos dos passantes. Calmo e silencioso.
A mão diz tudo, grita, berra, implora. A mão esquerda. Uma senhora mão, ampla, farta, maciça, suportaria tranquilamente até um melão. Moedas somem nela, melhor dar notas para ele. Notas abertas para recobrirem palma e dedos. Moedas e notas que logo desaparecem nos largos bolsos da calça do homem.
Ela lembra que ele ocupa sozinho esta calçada, enquanto a outra é repleta de adivinhos, vendedores, pastores, turistas, etc. Será que ele tem exclusividade para mendigar ali, à vista do prefeito de plantão? Protegido de algum vereador? Seria rentável a mendicância naquela calçada, enquanto a maioria dos pedestres circula pela calçada oposta? Ela olha bem para o pedinte e constata que ele é gordo, todo cheinho e com uma boa barriga por cima do cinto. Sim, um ponto muito rentável para poder manter aquele corpo redondo.
Próspero, gordo e feliz! Sim, todo gordo é feliz! Não tem que se preocupar com dietas e exercícios, pode comer e beber de tudo, feliz, sem precisar caminhar, correr, pedalar, nadar, socar... E homem!. Homem! Duplamente feliz, qualquer roupa está boa, mesmo revelando as formas redondas, a miserável da barriga, que para homem chega até a ser prestígio, charme. E sem sapatos altos!
Começa a ter raiva do cego, gordo, homem e feliz. Cego! Além de tudo, o espelho não lhe joga na cara a falência física da gordura e da idade! Privilegiado! Nem vê a cara das peruas reparando cada defeitinho dela. Ele feliz, ela tendo de seguir dietas mirabolantes, escolher roupas favoráveis....
Guarda as notas na bolsa, cospe na mão estendida do homem e prossegue sua caminhada tendo certeza que a justiça foi feita....
José FRID
Nenhum comentário:
Postar um comentário