quinta-feira, 27 de julho de 2017

Ventre, casa vazia.....

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Na mulher abandonada pela cria, pela vontade de viver. Se perdida, a vontade de viver podia nunca mais encontrar o caminho. Esquecer de vez da mulher como lar. Ir para nunca mais. O marido quis que a barriga murchasse logo, esse ventre, casa vazia. A moradora partiu, teve que ir. Antes. Muito. Tanto. Alguém chamou. Deus. Mas e isso podia ser coisa de Deus. Essa dor. Via a mulher acariciando a barriga. Às vezes ela ainda sentia mexer. Lá dentro. Deviam ser correntezas, ventos. Tornados. De raiva e incompreensão. O marido assistia com a boca amargando, os olhos marejados. E então saía para a rua olhar os carros. Ou não. Se raiva e incompreensão ventavam também ali. Dentro dele. A mãe indo embora. Ainda. De novo. Ele na carne do pai. A filha indo embora. Ainda. De novo. Sempre. Ele na sua própria carne.



Eda Nagayama in Desgarrados, Cosac Naify, 2015, pág. 34

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