domingo, 20 de agosto de 2017

Bom-dia, Boa-noite...

Estou dezessete minutos atrasado. Nem mais nem menos, dezessete. O número exato é importante para definir o ritmo das passadas até o metrô e deste até o escritório. O objetivo não é anular o atraso, missão impossível com sapatos pretos de couro e de cadarço, mas torná-lo aceitável. Uns cinco minutos, por exemplo. Saio do prédio e dobro à esquerda. Tenho pouco mais de cinquenta metros de calçada para decidir qual caminho farei até à estação do Metrô. São duas opções que alterno aleatoriamente, ambas desembocando no grande terminal de ônibus grudado à estação do metrô, ponto final de várias linhas que vêm de longe: Jardim Ângela, Pirituba, Cidade Tiradentes. Ele é todo aberto, mas coberto com lajes altas. Bancos compridos de concreto esparramam-se ao longo das duas plataformas dos ônibus, entremeadas de pilares e quiosques de pão-de-queijo e salgadinhos. No começo do dia é um lugar muito agitado, mas morto ao final da noite e na madrugada. Tentador para os sem tetos da região, que vez ou outra vejo por ali, arrastando seus pertences em sacos, bolsas, malas, caixas ou carrinhos de supermercado.

Ultimamente, deparo-me no terminal com uma pessoa dormindo no segundo banco da também segunda plataforma, a que leva direto ao acesso do metrô. Com esse frio, a pessoa está abrigada sob grosso cobertor marrom que abarca todo o seu corpo, ocultando dos pés à cabeça, formando um grande volume esparramado no banco. Imagino ser um mendigo gordo, muito gordo, um Papai Noel, dormindo com a cabeça apoiada no seu saco, saco de presentes é claro, seus maliciosos. As pessoas sonolentas que se dirigem ao metrô ou que esperam seus ônibus invejam o dorminhoco, ainda ressonando àquela hora...
Chego ao terminal fora da hora costumeira. De longe, vejo uma touca branca flutuando entre os pedestres, a cerca de um metro do chão. Aproximo-me e sou surpreendido: o Papai Noel é na verdade uma mulher baixinha e idosa. Acabou de acordar, ainda boceja e espreguiça-se, sentada em um pano zebrado. O cobertor marrom está sobre uma grande mala de lona verde. Uma bengala repousa ao lado dela. Além da touca branca sobre cabelos brancos e alourados, calça tênis e meias listradas, veste calça comprida de malha cinza, blusa e casaquinho vermelho. Animada, feliz, sorri e dá bom-dia a quem passa, eu inclusive, que retribuo sorriso e bom-dia e sigo em frente para tirar o atraso.

Retorno à noite ao terminal, hoje bem mais tarde do que o habitual por causa de um curso. Quem esta lá? Ela, agora com uma touca listrada, combinando com as meias, que não sei se são as mesmas. A grande mala verde está aberta e suas entranhas mostram uma ordeira arrumação, roupas de cama de um lado, roupas pessoais de outro, todas passadas e dobradas. Caprichosa, estica o cobertor zebrado, grosso quase como um edredom, sobre o frio concreto do banco. Depois, um lençol branco, travesseiro pequeno e o cobertor marrom. Parece feliz, antegozando uma boa noite de sono e sonhos. Sorri e dá boa-noite aos passantes, inclusive eu, que já tirei o atraso e tenho tempo para retribuir sorriso e boa-noite e observar que a vida é dura e injusta para muitos, mas alguns, apesar de tudo, ainda conseguem ser felizes.... 


José FRID

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