quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Smart-TV

Vinte e três e quarenta e um. Fim. As letrinhas dos créditos passam rápidas pela tela, outro filme está para começar. A mulher dorme esticada no sofá, a cabeça sobre seu colo. Uma manta leve cobre o corpo dela, os pés exibem meias coloridas. Ela ressona suavemente. Escolhera o filme, mas não aguentou assisti-lo. O dia tinha sido cheio para ela, levantara às cinco e trinta, fora a Brasília, reunião, almoço, reunião, volta no fim do dia, o filme argentino não deu conta do sono acumulado, do pouco tempo dormido nos últimos dias.

Ele pensa em levantar, mas a acordará, com certeza. E com certeza ficará mal humorada por causa do sono perdido. Prefere deixar-se ficar no sofá. Toma um gole do excelente tinto que ela trouxera e aciona o controle da smart-TV à procura de algo interessante. Sobe e desce pela escala de canais, nada no momento. Troca para a internet. Navega no Face, Instagran, nada muito interessante também. O pensamento foge para a noite de ontem, filme iraniano e um chopinho. Bar cheio, cheio de jovens animados, cheio de moças alegres, muita música alta, muito álcool, muita paquera, ela muito enciumada com os olhares cobiçosos, famintos, para ele, ele controlando-se para evitar uma guerra conjugal, mas ambos sem querer deixar o lugar. Resultado: excitadíssimos, chegando em casa entredevoraram-se, foi um descarrego, um abandono total ao sexo, compensando cada jovem que estava no bar, cada gesto, cada olhar, cada corpo deslumbrante ou não, e repetindo e repetindo...

Outro gole, acessa seus e-mails. Nada interessante, muitos enfadonhos, alguns trabalho. Pega o celular e passa para o WhatsApp. Algumas bobagens, piadas, fotos e desenhos cômicos, propaganda de futuros candidatos... um santo amigo mandou-lhe um arquivo de fotos em PDF. Curioso, abre e desfilam fotos de atrizes e outras em trajes sumários, poses sensuais. Reconhece a Charlize Theron, belíssima, uma loucura, as mãos tampando dois seios fantásticos, usando um biquininho preto. Examina atentamente a fotografia, questiona-se como alguém pode ser tão bela, gostosa... seu pensamento volta ao bar de quinta, para uma loura que estava no canto direito, lembraria vagamente a Charlize, só que estava vestida. Imagina-a sem roupa, será que os seios seriam iguais? Mais fotos, uma morena sensacional aparece, imagina que ela poderia ser aquela perto do caixa, que lhe mandara um beijo escancarado. Precisou segurar Tereza, que queria ir tomar satisfação com a mulher, "vagabunda, piranha...". Imagina-se estar só no bar, a morena aproximando-se, o cheiro dela, uma voz rouca, sensual... uma ereção a caminho e a mulher no seu colo. Larga o celular e volta ao controle remoto: um pedaço de filme americano, outro de uma pornochanchada brasileira – tosca, tosca, filosofa, mal filmada, mal interpretada, texto paupérrimo, só a ditadura e sua moral de pátria e família para explicar o sucesso daqueles filmes – um trecho de documentário africano, o fogo embaixo vai apagando-se e ele pode raciocinar. Para garantir a paz, responde um e-mail de trabalho, rotinas burocráticas, algo bem broxante. Tudo sob controle, volta a procurar um filme, encontra um com o Jason Statham – Adrenalina, o homem não pode parar senão morre, envolve-se com a ação, esquece das fotos, do bar, mas, quando Jason transa com a namorada no meio da rua para o seu coração continuar batendo, a noite de quinta volta à sua cabeça, ou melhor, às cabeças, adrenalina. Entra na internet direto num site pornô grátis, com fotos e filmes. Pega leve, começa com as fotos, nus femininos, jovens, muito jovens, algumas maduras... – quem há de resistir a uma mulher despida? Sente a ereção a caminho, mas não pode se tocar. Pensa na Charlize Theron, a atriz, e também na outra do bar. A ereção encontra obstáculo: a mulher no seu colo. Alisa os cabelos dela, passa a cabeça dela suavemente pela sua calça, sente a pressão, mas não é a mesma coisa. Acordá-la? O mal humor...

(Ela sente a ereção, a mão sobre sua cabeça, o suave movimento. Abre um olho, vê as fotos, sorri, esse homem não tem jeito, parece um garoto. Ela se mexe para sinalizar que está ali, que ele não se exceda... volta a dormir, o tem sob controle.)

Assustado, ele clica rápido no controle e volta à televisão, ao filme de ação, tiros para todo lado, gente morrendo, ereção abortada... o tempo passa – horas? minutos? segundos? – o filme se repete, fica chato, ele percebe o ressonar dela, em um clique volta ao site pornô, às fotos. Vai passando os olhos por elas, as poses e caras e corpos vão se repetindo, sem efeito sobre ele. Um gole de vinho, celular na mão, encontra a Charlize sorrindo para ele, as mãos nos seios, o biquininho preto, a Charlize... volta ao site, mais fotos, fotos, ela não está lá. Desinteressado, passa para a seção dos filmes. Uma música anuncia a tela com opção para sessenta filmes. Zera o som da tevê para evitar gemidos indiscretos, aquelas mulheres são piores que gata no cio. Começa a passar um por um, vê o título, interessa-se, clica, assiste um pouquinho, passa para outro, demora mais, segue adiante, sessenta já foram, outra tela com mais sessenta, fixa aqui e ali,  segue na busca, acaba se interessando por um deles com uma mulher belíssima e seu parceiro que dançam um tango caliente no que parece ser um estúdio de dança, tango que começa na vertical e com ambos vestidos, respeitosos, passos clássicos, mas lentamente as roupas vão caindo, eles se entrelaçam, interpenetram-se, vertical, horizontal, inclinado, frente e verso... outra ereção aparece, mais bruta, intensa, a sua roupa incomoda, aperta, machuca, ele se mexe tentando ajustá-la, mas a mulher dormindo no seu colo atrapalha-o, o contém, um olho na tela, outro na mulher...

(Ela sente a ereção, o desconforto do homem. Abre um olho, vê o tango, sorri, lembra da noite de quinta, o furor de ambos. Homem animado, o seu, já procurando. A voz do Emílio Santiago vem à sua cabeça: "Ele foi embora/ Nem faz uma hora/ Pensando, quem sabe/ Nos beijos que você lhe deu/ Tolo/ Pensou que beijar sua boca/ Foi consolo/ Despertou o instinto da fêmea/ E agora quer se deixar abater/ Se sentir caçada/ Dominada até desfalecer..." descansada, recuperada do cansaço, agradece mentalmente àquelas mulheres, toda a excitação dele será dela, hora de agir, mãos à obra...)

José FRID

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