Em geral as minhas narrativas nascem, não iguaizinhas, quase sempre de uma ideia súbita, conceito que prefiro ao de inspiração: ideia trabalhada lúcida e objetivamente, disciplinada diariamente anos seguidos. É um cheiro, uma lembrança, um fiapo de pensamento sonhoso, uns olhos azuis ou negros, verdes também sobretudo, uma frase, um verso, um personagem, um título, um risco geométrico, um nome, um não-sei-que-mais, a semente, o detonador da obra futura. Tudo isso a psicologia explica, nada há de mistifório, uma análise profunda revelaria seus aspectos submersos, icebergs noturnos.
Quando vem uma dessas ideias súbitas e me cristaliza no espírito, o meu primeiro impulso é imediatamente começar de vez a desenvolver no papel o gérmen da futura história, mergulhar na escrita. Caio na exaltação ou na apatia, conforme o humor do momento. Ninguém entende, senão o criador e os psicólogos atrevidos, literatos incorrigíveis, a loucura criativa, a lógica lucidez misteriosa. Daí a perversidade de Lúcifer ao perturbar o silêncio pensamentoso de Deus.
Autran Dourado in Uma vida em segredo, Record/Altaya, págs.165/166
(pensamentoso não consta do VOLP!)
Nenhum comentário:
Postar um comentário