domingo, 1 de julho de 2018

Direito de cometer homicídios...

[...] O diretor gaguejou, limpou a garganta e, com o tom de voz mais natural do mundo, comunicou a Cipião que ele havia sido preso devido a um engano. Na verdade, o fato era lamentável, mas o que é que se podia fazer? Há cinquenta anos, a polícia não dispunha dos equipamentos atuais, computadores, detectores de mentira, essas coisas. Para encerrar o assunto, declarou que ele próprio e o tal que não se virava, definido como chefe do departamento de não sei o quê ministerial, e mais não sei o quê judiciário, haviam resolvido compensá-lo da injustiça. E, juntando a ação à palavra, entregou a Cipião um envelope branco e um estojo revestido de marroquino preto. O envelope continha um certificado com as assinaturas do diretor e da estátua. Cipião afastou o papel o mais que podê, até conseguir ler. O documento dizia que o Senhor Wanderley de Sousa Cipião, que havia cumprido pena de cinquenta anos, apesar de inocente, adquiria, a partir de 14 de fevereiro de 1990, o direito de cometer dois homicídios de qualquer espécie, ou outros delitos cuja pena estivesse circunscrita a cinquenta anos, sem ser submetido a julgamento ou a algum tipo de pressão legal.

Foram necessários dois minutos e meio para Cipião compreender a mensagem. A seguir, quase encabulado, perguntou se podia abrir o estojo. O diretor sorriu e fez um gesto afirmativo com a palma da mão estendida. Levantada a tampa, o espírito de Pierre sobrevoou o ambiente. Sobre um leito de veludo azul-marinho, repousava um Colt calibre 38, ao lado um pente carregado de balas. Na coronha de madeira, brilhavam três iniciais em metal escovado: W.S.C.


Victor Giudice in O museu Darbot, Leviatâ Publicações, págs.67/68

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