sexta-feira, 17 de agosto de 2018

A primeira vez que o menino se apaixona...

[...] E se isso não afianço com mais certeza, é porque enquanto ela se mantinha de olhos cerrados, me perdi a contemplá-la inteirinha, esquadrinhá-la, rodeá-la de todos os lados, apalpá-la com os olhos duro de enfeitiçado. Sem querer e sem saber eu tirava a minha desforra! E com que vantagem! Fui apreciando os contornos de potrinha, parando maliciosamente nas partes mais proibidas e nos relevos mais resguardados, apurando bem de pertinho cheiros e sabores. Naquele tempo, este olhar míope de hoje era uma lupa luminosa! Por força de tanto assim degustar as miudezas só enxergadas a microscópio, mal e mal vi as lanosas penugens do seu cangote, o desenho sensual que elas faziam, sem mais pode r me conter, fiquei duro e ouriçado. Doidinho varrido, ia escutando a sua voz de riachinho entre cascalhos despencando nas minhas artérias, o cheiro tépido de suas raízes ateando labaredas no meu corpo. Crus, credo! Se essa espera fogosa demora mais um bocadinho, se a bichinha não reabre logo os olhos dengosos de suçuarana, nem sei o que seria daquele menino ali todo emplastrado de fogo, mil vezes comburido em negro pó. E tanto me demorei assim trespassado do cheirinho de perdição, que mesmo depois que ela abriu as pálpebras escancaradas em cima de mim, continuei banzo e tonto, como quem toma chá de dormideira.
Francisco J.C. Dantas in Coivara da Memória, Estação Liberdade, 1996,

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