quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Na natureza...

Uma praça, dia de semana. Árvores, grama, terra, pedras portuguesas. Tanque de areia, brinquedos infantis, velhos bancos de madeira, ponto de ônibus.Uma praça, dia de semana. Árvores, grama, terra, pedras portuguesas. Tanque de areia, brinquedos infantis, velhos bancos de madeira, ponto de ônibus.

Manhã.

Vendedores de bolos, pães, doces, café, chocolate quente, refrigerantes, cachaça. Seus clientes esperam ônibus para o centro, dezenas de pombos esperam migalhas e restos, ciscando entre as pedras. Arrulham contentes.

Um pouco mais tarde.

Os trabalhadores já chacoalham nos ônibus lotados, os ambulantes seguiram atrás de clientes, crianças chegam gritando entre os pombos esvoaçantes, idosos ocupam os bancos, os brinquedos estão cheios de vozes e cores. Uma pomba permanece sentada, próxima de uma moita de esmirrado arbusto.

- Mãe, ela está chocando?
- Pode ser. Não, elas não chocam no chão, as pessoas podem pisar nos ovos.
- Onde então?
- Nas árvores, nos telhados... olha um balanço vazio, filho!

Hora do lanche

As pombas, menos uma, ciscam migalhas das crianças, dão pulinhos, escapam de mãos infantis, bicam pedacinhos no chão, pousam nos carrinhos de bebês, são espantadas por mães histéricas, um banquete nervoso de frutas, biscoitos, pães. Uma mãe vê a pombinha isolada e lança-lhe um miolo de pão.

Quase meio dia.

Os pombos estão em volta dos velhos bancos dos idosos, que ao vê-los relembram cenas de infância em outras praças, outras aves. Dividem com elas pedaços de pães, farelos de biscoitos, bocados de cocada e doce de leite.

- Vô, a pombinha tá chocando?
- Acho que não. Deve estar descansando.
- Ela é velha como você?
- Pode ser, pombas não têm rugas nem cabelos brancos.
- Tchau, vovó pombinha.

Quatro horas

O pipoqueiro quase atropela a vovó pombinha. Ele para mais adiante, abre a carrocinha e tira seus apetrechos. Os clientes estão para chegar. Pega a panela grande e joga os piruás na direção da ave, salpicando-a com bolinhas amarelas e resto de óleo velho. O cheiro inebriante da pipoca recém-feita atrai crianças, idosos, estudantes, enamorados, que quase sempre deixam cair alguns grãos brancos, atraindo as pombas da praça para novo banquete.

Sete horas

Escureceu. O pipoqueiro esvazia sua panela arremessando piruás e pipocas sobre os pombos provocando revoada nervosa. Ele apaga o lampião a querosene, fecha seu carrinho, passa rente à pomba e vai ao cinema. Depois de comerem tudo, as aves, menos uma, pousam nas árvores para a noite.

Escuridão, silêncio, só quebrado pelo arrulhar abafado das pombas empoleiradas. Da moita surge uma ratazana que, num bote, abocanha a pomba pela cabeça e retorna rápido com ela para os arbustos.


Na natureza não há velhos...


José FRID

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