domingo, 18 de novembro de 2018

Objeto de arte


Corpo de ancas opulentas,
Mulher de Angkor,
Coxas e tetas pedrentas
De árduo lavor.
 
Pedra, lição de escultura,
Da verdadeira
Carnadura, carne dura
Mais que a madeira
 
Ou o bronze que posto ao forno
Se liquefaz.
A pedra não; seu contorno
Mantém-se em paz
 
À maneira do medonho
Ser que no Egito
Contém o esfíngico sonho
Do granito.
 
Já no mármore a figura
Parece menos
Tosca; é mais branca, mais pura,
Mais lisa; é Vênus
Que, mesmo nua, ao expor
Sua vaidade,
Tem do mármore o pudor,
A castidade.
 
Ou então pedra-sabão,
Pedra-profeta,
Que da fêmea a carnação
Não interpreta.
 
Mas és da beleza o exemplo,
Pedra qualquer,
Se a figura em ti contemplo
De uma mulher,
Aparição singular,
Sem que me farte
Jamais o prazer de a olhar,
Objeto de arte.


Dante Milano in Poesia e prosa, Civilização Brasileira, 1979. p.177-178. (Coleção vária). Poema integrante da série Últimos Poemas.
  

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