quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Os olhos das penas de pavão...

[...] Só um molho de penas de pavão no vaso, colocado em cima da cômoda, resistia a esse domínio. Era um elemento travesso, perigoso, vagamente revolucionário, como uma turma bagunceira de colegiais, aparentemente bem comportada, mas ao virar dos olhos devassa e sem freios. Esses olhos de penas de pavão furavam o dia todo, furavam as paredes, davam piscadelas, apinhavam-se, pestanejavam, encostavam o dedo na boca, uns na frente dos outros, cheios de risinhos e travessuras. Enchiam a sala de gorjeio e de cochicho, derramavam-se como borboletas em volta de um lustre, suas multidões coloridas batiam em espelhos opacos e senis, desacostumados ao movimento e à alegria, espiavam pelo buraquinho da fechadura. Nem na presença da minha mãe, deitada com um lenço na cabeça, eles podiam deixar de piscar os olhos, dar sinais, comunicar-se usando o alfabeto mudo das cores, carregados de significados secretos. Irritava-me este acordo sarcástico, este complô cintilante por trás das minhas costas.

Bruno Schulz in Lojas de canela, Imago, págs.109/110 

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