segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Assédio...

Pense bem...  aceite meu  convite. Você come porque lhe dou dinheiro. Você mora com meu dinheiro. Esse uniforme é meu, eu poderia pedir para você tirar ele agora, aqui, deixar você  só de calcinha e sutiã, que por sinal  foram comprados com meu dinheiro. Seus cabelos estão loiros com o dinheiro que você ganhou de mim. O vestidinho bonito que você coloca pra ir pra casa também saiu do meu bolso.

Eu trabalho honestamente e compro minhas coisas,  pago minhas contas....

Pense bem... tem um monte de gente querendo seu emprego,  todo dia tem gente no escritório,  algumas até bonitinhas, oferecidas, tá fácil preencher vagas, é  tirar uma e colocar outra, o dinheiro vai de uma para a outra, as contas ficam...

As palavras chovem sobre seu corpo encurvado por esfregar o chão...

Pense bem.... dinheiro é tudo, tudo, tudo e mais alguma coisa, move o mundo, não é o amor não,  é  o dinheiro, o dindim que move o mundo, as pessoas. Sem dinheiro não existe amor. Mas o dinheiro vive bem sem amor, compra o amor se for preciso. 

A voz dele ecoa nos azulejos como trovão e penetram fundo nos ouvidos dela...

Pense bem.... Não estou pedindo muito... eu sei que você não desgosta de mim, acha graça nas minhas piadas, se interessa pelas estórias que conto, eu te trato bem, sou educado,  limpinho, não tomo intimidades assim à toa...

O pano de chão dela quase esbarra no mocassim preto dele, com fivela prateada...

Pense bem... sua negativa pode por tudo a perder. A vida não está fácil aí fora. Você sabe muito bem, seu marido está sem trabalho há dois anos. A cerveja dele sai daqui da empresa, o pedaço de carne, o feijão,  tudo, tudo, como esse pano de chão,  a vassoura, o balde, suas botas, as luvas, tudo sai do meu bolso...

Você pode ir pro lado de lá para eu limpar esse pedaço?

Pense bem... Não não estou pedindo muito, só uma saidinha para a gente conversar, se conhecer melhor, ir prum lugar mais agradável,  longe desse banheiro,  baldes, vassouras, panos de  chão, tomar umas bebidinhas,  comer umas coisinhas gostosas....

Ela sente medo, abre as portas dos reservados e investe nos vasos sanitários...

Pense bem... ninguém precisa saber de nada, o assunto é só nosso, só ser discreto. Gosto de você, do seu trabalho, acho que você fica bonitinha nesse uniforme, mas merece coisa melhor, que eu posso dar pra você.... a gente conversando, quem sabe, se conhecendo melhor, estou precisando mesmo trocar uma encarregada que não colabora mais, quem sabe a vaga pode ser sua, trabalhando de vestido, cabelos soltos, brincos novos, sapatos de salto alto, eu pago com gosto...

Ela se vê nos espelhos em cima das pias que limpa, fica bem de uniforme, o corte marcial e a cor lhe são favoráveis, mas pensa que não merece isso que está acontecendo...

Pense bem... não veja a situação como o patrão e  a empregada, mas como duas pessoas que se gostam e compreendem as necessidades do outro....  Pense bem.... estarei na saída.

Ela pensou. Torceu o pano de chão imundo e refletiu. Lavou, tá limpo, pronto pro uso, quase novo. Ninguém saberia dizer, olhando para ele lavadinho, pendurado no varal para secar, por onde teria andado, que sujeiras tinha limpado, ficavam só nódoas indefinidas. Ela era superior ao pano? Todos pisavam neles...

Ela pensou ao tomar banho e trocar de roupa. Se sentiu só, muito só, com medo, muito medo. Será que todas tinham que escutar isso? Precisa desse emprego, precisa do dinheiro desse emprego. Pensa no desespero do marido, dois anos só com pequenos bicos, seu desalento, sua vergonha. Discrição. Ninguém precisaria saber de nada. Lavou, tá limpo, realmente, só ficarão mentiras, náuseas e nódoas na alma...  

José FRID

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