quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Ofício de escritor

Então descobri que nos cansamos quando escrevemos uma coisa a sério. Se não nos cansamos é um mau sinal. Não se pode esperar escrever algo sério assim, na flauta, com um pé nas costas, borboleteando leve por aí. Quando alguém escreve uma coisa séria, mergulha dentro dela, se afunda até os olhos; e, se tem sentimentos muito fortes, que lhe inquietam o coração, se é muito feliz ou muito infeliz por alguma razão, digamos, mundana, que não tem nada a ver com aquilo que está escrevendo, então, se o que escreve é válido e digno de vida, qualquer outro sentimento se apaga nele. Ele não pode pretender conservar intacta e fresca sua cara felicidade, ou sua cara infelicidade, tudo se distancia e some e ele está só com sua página, nenhuma felicidade ou infelicidade pode subsistir nele se não estiver estritamente ligado a essa página, não possui outra coisa nem pertence a ninguém, e, se não for assim, então é sinal de que sua página não vale nada.

Natalia Ginzburg, "As pequenas virtudes". Trad. de Maurício Santana Dias, via Facebook do Alcides Villaça 

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