segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Nunca saberemos....

O trem do metrô abre as portas e uma miríade de passageiros desce na estação, sob a angústia das duas filas laterais dos que pretendem embarcar. O fluxo de saída parece o Rio Amazonas desaguando no oceano, não acaba nunca de correr água,  para desespero dos que estão na plataforma.

O último a sair, justo aquele que libertará a passagem, é um rapaz alto, magro, barbudo, uns vinte anos, que caminha lentamente porque tem a cabeça virada para a direita, observando fixa e embevecidamente alguma pessoa fora do alcance dos milhares de olhos ferozes que querem entrar no vagão. 

O Rio Amazonas inverte o fluxo e agora é o trem que é invadido pelo mar, para desespero dos que estão dentro do vagão,  que são inapelavelmente comprimidos até se comprovar que dois corpos podem ocupar o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo.

Ajeitada a boiada, o trem parte e os novatos procuram identificar quem merecia tanta atenção do magrelo barbado. Seria uma atriz da Globo? Uma modelo famosa? Um craque do Palmeiras? Um repórter da Record? O governador? Nenhum deles é localizado no vagão. Quem, então? Quem?

A malta, decepcionada, procura no meio dos comuns. Seria a loira bonita,  que podia ser a mãe dele, seios empinados sob delicada blusa de crochê tricolor? A moça com rabo de cavalo trançado, que balança a cabeça conforme a música que só ela escuta? A mulher grávida com barriga e seios enormes,  que está a ponto de maternidade, sentada no banco reservado? Ou a senhora miudinha à sua frente? A executiva de paletó vermelho sobre blusa branca de seda que deixa entrever sutiã todo bordado? Ou a menina de vestido listrado curtinho, curtinho? A mulher de blusa verde que deixa o umbigo à mostra, "mais por fora que umbigo de vedete", como diria o bisavô do rapaz? Indecisa, a turba percebe que são tempos modernos, o magrelo pode estar interessado em outro, como o barbicha  oriental, com óculos enormes no qual caberiam quatro olhos.  Ou o outro barbudo, vistosos fones de ouvido, que funga a cada quinze segundos, repuxando a cabeça, coçando  nariz e mordendo o polegar a cada intervalo. Quem sabe o rapaz de ralo bigode e cavanhaque insipiente. Seria a moça ultrasupermaquiada que fala ao celular ou o bombadão com tatuagens tomando o pescoço e meia cabeça? A mão com longas unhas verde-piscina que envolve o balaústre superior? Ou a meia rosa shocking que emerge de um tênis prateado?

Nunca saberemos....

José FRID

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