segunda-feira, 16 de março de 2020

Escrever

Escrever, ao menos bons textos, é algo radicalmente artificial. É um trabalho organizado, planejado, intensivo e exigente de organização e formalização do que alguém pensa ou sente. Há pouca coisa de espontâneo na escrita,especialmente na escrita acadêmica. Claro, é possível imprimir um ar de naturalidade e de espontaneidade a um texto, mas isso requer um trabalho muito intenso. É quase impossível ficar bom na primeira versão.

Além disso, escrever é afetar, mexer com os humores, com os neurônios,interpelar. Escrever é sempre uma provocação, no limite, física. Afinal, ler movimenta quimicamente o cérebro, causando indignação, alegria, raiva, medo,tranquilidade, cansaço. Escrever é uma atividade semelhante a compor letra e melodia. É um trabalho minucioso, de relojoeiro, que procura gerar efeitos racionais e emocionais com premeditação e o máximo de precisão.

Por isso mesmo, é sempre útil imaginar, sonhar, como o tipo de leitor e leitora que você deseja atingir, seja para seduzir, seja para desafiar. Saborear antecipadamente as eventuais reações das pessoas que eu espero que leiam o meu texto ajuda no processo de escrita. Como eu já disse aqui, em grande parte,o mero ato de escrever se basta. No entanto, se ele fosse fechado em si mesmo,seria o caso de não publicar nada, certo?

No meu caso, eu escolho pessoas bem concretas, todas com nome e sobrenome.Algumas delas constam das minhas dedicatórias, outras não, é claro,especialmente as que eu pretendi desafiar em um tom mais agressivo.

José Rodrigo Rodriguez em entrevista a  José Nunes para o projeto "Como eu escrevo".

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