segunda-feira, 30 de março de 2020

Uma senhora bastante virtuosa....

Nasci há uns trinta anos, numa família de proprietários rurais bem abastada. Meu pai era um jogador compulsivo; minha mãe, uma senhora de caráter... uma senhora bastante virtuosa. Só que nunca conheci uma mulher cuja virtude lhe proporcionasse menos  satisfação. Sucumbiu sob o peso de sua própria dignidade e tiranizava a todos, a começar por si mesma. Ao longo de seus cinquenta anos de vida, nunca se permitiu um descanso nem ficou de braços cruzados; estava sempre se movimentando e ocupada como uma formiga - e sem nenhuma utilidade, o que não se pode dizer da formiga. Um verme infatigável a corroía dia e noite. Uma única vez eu a vi totalmente serena; justamente no dia seguinte ao de sua morte, no caixão. Contemplando-a, juro, pareceu-me que seu rosto expressava um assombro sereno; era como se os lábios entreabertos, as faces cavadas e os olhos docilmente fixos soprassem as palavras: "Como é bom repousar!". Sim, é muito bom poder finalmente se livrar da consciência martirizante da vida e dos sentimentos obsessivos e inquietantes da existência!

Ivan Turguêniev in Diário de um homem supérfluo, Editora 34, pág.10


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