segunda-feira, 6 de abril de 2020

Despudor...

É a primeira vez que tira a roupa diante dele com uma tal falta de pudor, com uma indiferença tão ostensiva. Essa maneira de despir-se significa: sua presença aqui, diante de mim, não tem nenhuma, mas nenhuma importância; sua presença é igual a de um cachorro, de um camundongo. Seu olhar não vai mexer com a menor parcela do meu corpo. Poderia fazer o que quer que fosse diante de você, os atos mais inconvenientes, poderia vomitar na sua frente, lavar minhas orelhas ou meu sexo, me masturbar, fazer pipi. Você é um não-olho, um não-ouvido, uma não-cabeça. Minha orgulhosa indiferença é um manto que permite que eu me mova diante de você com toda a liberdade, com todo despudor.


Milan Kundera in A Lentidão, Nova Fronteira, 1995, pág. 109   

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