[...] o homem curvado em sua motocicleta só pode se concentrar naquele exato momento de seu voo; agarra-se a um fragmento retirado tanto do passado quanto do futuro; é arrancado da continuidade do tempo; está fora do tempo; em outras palavras, está num estado de êxtase; em tal estado, não sabe nada de sua idade, nada de sua mulher, nada de seus filhos, nada de suas preocupações e, portanto, não tem medo, pois a fonte do medo está no futuro e quem se liberta do futuro nada tem a temer.
A velocidade é a forma de êxtase que a revolução técnica deu de presente ao homem. Ao contrário do motociclista, quem corre a pé está sempre presente em seu corpo, forçado a pensar sempre em suas bolhas, em seu fôlego; quando corre, sente seu peso, sua idade, consciente mais do que nunca de si mesmo e do tempo de sua vida. Tudo muda quando o homem delega a uma máquina a faculdade de ser veloz: a partir de então, seu próprio corpo fica fora do jogo e ele se entrega a uma velocidade que incorpórea, imaterial, velocidade pura, velocidade em si mesma, velocidade êxtase.
Milan Kundera in A Lentidão, Nova Fronteira, 1995, pág. 6
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