segunda-feira, 18 de maio de 2020

Liberdade....

em outra crônica memorável, esta publicada em 4 de novembro de 1894, Machado, que era assíduo leitor de Montaigne, estabelece um preciso e irônico juízo histórico sobre um tópico de larga tradição humanista e liberal, a liberdade, comparando os fundamentos de uma antiga cena européia  com os do cenário brasileiro contemporâneo. Observa o cronista: "A liberdade é um mistério, escreveu Montaigne, e eu acrescento que o monopólio é outro mistério, e, se tudo são mistérios neste mundo, como no outro, fiquem-se com seus mistérios que eu vou aos meus espinafres." Pois logo após a Abolição - e com a modernização dos bondes elétricos, como se pode ler em outra de suas crônicas -, os burros também tiveram a "liberdade de morrer" de fraqueza ou de fome, os escravos gozaram da "liberdade" de continuar a receber petelecos, pontapés e salários irrisórios, e os homens livres, como a engomadeira da rua Senhor dos Passo, da liberdade de se "oferecer em aluguel" ou, como aquele empregado doméstico, da "liberdade" de pronunciar ou não corretamente a palavra "debêntures", perdendo sempre todas as suas economias e, como consolo, traduzir quaisquer transações financeiras por "desventuras". 

Ivan Junqueira in Cinzas do espólio, Record, pág.262

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