terça-feira, 22 de setembro de 2020

"Bang"!

GUERRA - UM HORRÍVEL CONFLITO DE INFANTARIA, que me fez acordar no meio da noite e sentir vontade de me refugiar no mato feito Thoreau - estou sozinho numa espécie de colégio, cercado de todos os lados por orientais que disparam de uma distância de 100 metros, pelos campos e matagais, com trabucos e espingardas, numa barulhada ensurdecedora, ou que todos fazem pontaria contra mim, tão inocente e infantil no sonho, e a única "arma" de que disponho é fazer "pum" com a boca, merda, pelas janelas e mesmo quando as vidraças se quebram e o inimigo aponta as espingardas ali dentro para mim, levanto o revólver de brinquedo e grito "bang"! - Não paro de imaginar a chuva de balas penetrando no meu corpo, a dor, mas por enquanto nada disso acontece - no entanto são tantos os tiros desfechados contra a escolinha, que é, em parte, a Secundária de Bartlett, mas só no andar térreo, e parecida com a Casa Mal-assombrada em frente ao Joe e qualquer coisa anterior, mais estranha ainda - as balas são tantas que não é possível que não seja atingido. Finalmente o dia nasce enluarado e nem sei bem como vou me livrar dessa situação, pois de repente encontro balas de verdade e uma espingarda que funciona e coloco uma cápsula dentro dela, só que não consigo achar o gatilho, um inimigo assesta a arma na janela para me matar e a única coisa que faço é levantar a espingarda de verdade e fazer "pum"! - Tinha esperança de sair furtivamente no meio da escuridão, mas no luar, que já vai clareando com o romper do dia, dá para enxergar nitidamente vultos de índios que se aproximam em rápidas corridas entre as árvores - e não posso sair sem risco, rumo à segurança, ao esquecimento, do outro lado dos matagais. Acordo percebendo que gostaria de estar morto, e pensando na próxima guerra, que não conseguirei sobreviver, me lembrando dos nossos soldados que estão na Coréia, de mãos atadas nas costas, caídos no chão, fulminados por baionetas, vítimas de armas que nada têm de brinquedo, uma morte lúgubre sob a geada de inverno. Não vejo por que o Ocidente deva sofrer a indignidade de viver no mesmo planeta com esses Mongóis Idiotas do Oriente, que investiram aos milhares de suicidas em ataques ao luar  e adoraram a experiência - Pearl Harbor foi só o começo - Ganharam couraçados dignos de Átila - acho que deve haver outros mortos junto comigo na sala de aulas - não vejo nem percebo nenhum no meio das cores douradas, estranhas e gerais deste sonho horrível e definitivamente desesperado.

Jack Kerouac in O Livro dos sonhos, L&PM Pocket, tradução de Milton Persson, págs.147/148

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