sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Merda...

[...] mas o Espírito se descontrola numa cena no toalete que fica do outro lado da rua, em frente à casa de Cody, onde ele e eu estamos cagando lado a lado numa latrina dupla - enquanto me limpo com papel, Cody fala mal de um ator, dizendo: "Mas você sabe, ele é veado, vive chupando reis" e como ao me limpar continuo sentado, de pau de fora, a referência a esses detalhes eróticos faz com que comece a endurecer; me apresso a me levantar antes que fique duro por completo, mas me atrapalho todo e, quando vejo, estou com um pedaço de merda na boca, por algum motivo a ver com o papel, com o movimento desordenado dos braços, com os restos de comida que entram no meio dos dentes - eis-me ali, procurando tirar aquele naco de merda do sonho colado na boca, também cheia de papel higiênico (em vez de passá-lo no rabo, acabei passando nos lábios) e o papo de Cody a respeito das chupadas, enquanto me levanto e tento ser rápido, é uma verdadeira Comédia - cheguei até a sonhar com o gosto imaginário da merda, sensação só possível de ser associada à lembrança de uma pasta de amendoim insossa, como aquele "pedaço de pêssego" que o inseto do barril  arrastava na semana passada - a todas essas, Cody nem nota minha situação e, como não estou trabalhando na ferrovia, não me preocupo com hora - 

Jack Kerouac in O Livro dos sonhos, L&PM Pocket, tradução de Milton Persson, pág.165

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