domingo, 11 de outubro de 2020

Solidão da morte....

DESASTRES AÉREOS (NESSA MESMA GUERRA) são registrados por um dispositivo fotográfico que tira fotos das pessoas a bordo enquanto o avião vai caindo - a gente vê a agonia delas, inclusive o instantâneo de um homem se debatendo no meio da fumaça - (na hora da queda) o dispositivo nunca falha. Estamos olhando uma série de fotos - fico completamente horrorizado, pois logo me identifico e esqueço que é um (sonho) dispositivo que tira as fotografias - Os passageiros civis aparecem em grupo, se retorcendo, atormentados, no bravo avião marrom, que se precipita céus abaixo para se espatifar em plena noite e matar todos eles - vêem-se homens que se entreolham com expressões de insuportável pesar - reparo num que contempla o soalho, tranquilo - enquanto outros gemem, rezam e se contorcem - vai deixar-se levar calmamente pela explosão - mas, à medida que a câmara documenta o progresso da queda, cada vez mais próxima do momento fatal do contato do avião com o solo, nosso herói dá um salto e começa a gritar - Seja lá quem se olhe, o semblante (mulheres, crianças, homens) mostra uma expressão jamais vista, antes ou depois - Um pesar insuportável e uma grande compreensão bestificada, com pálidas pinceladas de medo, tão enorme, que eu mesmo fico apavorado de ver. São flagrantes de moribundos envoltos pela fumaça e pelas chamas, famosos heróis convulsionados pela agonia, sozinhos, sem saber que posam para fotos e que alguém um dia vai ver tudo isso, que nunca mais há de se repetir - É a Solidão da Morte, a individualidade da morte - os frutos, finalmente, da existência, com toda a dor e o terror que contêm - seu poder foi tão grande que a perda causa um sofrimento enorme, aterrorizado - Ah, quem me dera poder descrever esses rostos, esses olhos que, por fim, enxergam algo novo, numa avaliação definitiva - o nó que sentem na garganta quando tentam conformar-se com o destino, alguns soluçando entre as mãos, enquanto o pobre mundo se despenca, aos gritos, para a destruição - Og -OM! Salva todos os seres conscientes com tua clava de diamantes!

Jack Kerouac in O Livro dos sonhos, L&PM Pocket, tradução de Milton Persson, págs.187/188

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