domingo, 13 de março de 2022

Rios

"Tão duradouros eles são, os rios!" Apenas pense. Fontes em algum lugar nas montanhas pulsam e nascentes escoam de uma rocha, juntam-se em um riacho, na corrente de um rio, e o rio flui através de séculos, milênios. Tribos, nações passam, e o rio ainda está lá, mas não está, pois a água não permanece a mesma, apenas o lugar e o nome persistem, como metáfora de uma forma permanente e de uma matéria mutável. Os mesmos rios corriam na Europa quando nenhum dos países de hoje existia e nenhuma língua conhecida por nós era falada. É nos nomes dos rios que sobrevivem vestígios de tribos perdidas. Eles viveram, porém, há tanto tempo que nada é certo e os estudiosos fazem suposições que para outros estudiosos parecem infundadas. Nem se sabe quantos desses nomes são anteriores à invasão indo-européia, que se estima ter ocorrido de dois mil a três mil anos a.C. Nossa civilização envenenou as águas dos rios, e sua contaminação adquire um poderoso significado emocional. Como o curso de um rio é um símbolo do tempo, tendemos a pensar em um tempo envenenado. E, no entanto, as fontes continuam a jorrar e acreditamos que o tempo será purificado um dia. Sou um adorador do fluir e gostaria de entregar meus pecados às águas, que sejam levados ao mar.

Czeslaw Milosz 

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