sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

Foi Deus?

Por Arnaldo Bloch


Assisto a uma entrevista de um repórter da Globonews com um sujeito que correu atrás da van antes de ser soterrada mas não conseguiu embarcar por estar atrasado. Segundos depois, assistiu ao veículo ser sugado pela cratera. O repórter indaga: "O destino foi benéfico com você, não é?" O sujeito responde: "Foi Deus. Só pode ter sido Deus. É a única explicação". Putz. O cara se atrasou, o microônibus foi sugado. E ponto. Por que envolver Deus em assunto que é do tempo, do acaso? Então, quem morreu naquele microônibus, foi punido? É Deus que mata o velho na fila, a criança na lama, o cachorro na estrada? É incrível a soberba de um sujeito desses, que se vê merecedor maior de graça nos céus em vez de contemplar os fatos como são. Aqui não se trata de discussão teológica. Se Deus existir, deve estar indignado com o uso, assim, de seu nome em vão para explicar cada configuração lógica, cada resultante de diferentes caminhos, cada coordenada geoespacial. Foi Deus quem rompeu a barragem de lama química, que condenou milhares a perderem suas casas, que derrubou o Palace II, quem afundou o bateau Mouche, que salvou o cara que não embarcou no bateau Mouche por que teve uma gripe, que salvará os donos da mineradora quando sairem impunes, livres, pela cidade?
(http://oglobo.globo.com/blogs/arnaldo)

O que os leitores dele acharam:

"Por outro lado, se a Van tivesse parado para ele subir ia parar por uns minutinhos e talvez tivesse escapado da tragédia."

"Poxa, Arnaldo, pega leve, rapaz. Ali, não houve soberba. Foi a reação pra lá de humana de um sujeito humilde que quis demonstrar algum tipo de gratidão pelo fato de ainda continuar vivo. Você queria o quê? Que o elemento dissesse algo do tipo: "Viu? O sacana do motorista deu uma de gostoso, me fez engolir fumaça e dançou. Agora lá, fedendo no buraco! Mereceu, o vacilão!" Ô, rapaz, ponha a mão na consciência e pare de fazer de conta que o Bom Deus pede conselhos no teu divã. Vou atiçar a dupla do Pânico na tua cola. "

"Caraio, você disse tudo nesse texto. Muito bom! Dia desses vi um adesivo muito bom num carro, um monza bem velho caindo aos pedaços e estava escrito assim: "foi o diabo que me deu". Achei engraçado porque é uma alusão aos inúmeros carros escritos "foi deus que me deu". Será que eles não pensam que foi o dinheiro deles, com suor do trabalho que deu esse bendito carro? Sei lá, é mais fácil botar a culpar em alguém do que você assumir essa culpa e nesse caso, Ele não estará aqui pra se defender."

"Arnaldo, a gente sabe que as pessoas em geral (e não apenas o povão) dizem, para tudo, "graças a deus". Posso apostar que o sujeito não se acha merecedor de maior graça que seus pares e muito menos teve a intenção da soberba com tal afirmação. Simplesmente as pessoas pensam em si, no próprio destino e pronto. O jogador aparece com a (besta) frase "deus é fiel" e agradece aos céus o pênalti decisivo convertido. Então Ele é infiel para com o adversário, é o que se presume. E quanto à sua questão, acho fácil de responder: é CLARO que deus não faz os desastres. Quem faz é o diabo (para se crer em deus dessa forma, o sujeito TEM que acreditar no demo querendo sacanear todo mundo). "Deus conseguiu me salvar, certamente por ser mais crente, pelas minhas ocasionais orações, por crer Nele". Deus, na concepção do sujeito comum, é um mercador, poderoso sim, mas nada mais que isso. É por esse caminho, meu camarada."

"Também acho que o cara quis mostrar sua gratidão por estar vivo, sem a idéia de que Deus "castigou" as vítimas da tragédia. Como acredito em programação de vida, fico com o popular: não era a hora dele."

"Ouso aqui a interpretar diferente de você. O cara que fala assim não fala com soberba, ao contrário, fala com humildade, muito feliz por ter tido tanta sorte. Ele apenas está tão surpreso com o tamanho de sua sorte, que, tendo fé, agradece a deus, e usa o seu nome no lugar de "putz, como eu sou cagão!...". Duvido que ele pense que é abençoado e os outros, renegados por deus. Eu, pelo menos, não pensaria assim."

"Entre o "destino" e Deus, prefiro acreditar no segundo. Não digo que ele matou um e preservou outro mas dizer que é destino acho simplista. Muitas coisas tem a ver com as escolhas que nós fizemos, outras coisas fogem do nosso controle."

O jornalista completou:

"Continuando. Vejam bem, não estou aqui querendo punir o cara individualmente por achar que deus o protegeu, seja a afirmação reflexo de fé ou de uma obtusa "razão". Na verdade uso o exemplo para sinalizar a pobreza que rege nossas reflexões cotidianas. Outro dia uma amiga minha socióloga conversando sobre sua filha com uma outra mãe já saiu-se com bobagens astrológicas, e olha que da astrologia mais rasteira, sem estudo. vão dizer que é só pra jogar conversa fora, mas não: cada vez mais recorremos a facilidades, esoterices e crendices, e menos à razão para interpretar o mundo à nossa volta e seus mistérios, sejamos nós religiosos ou não."

E você, o que acha?

José FRID

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