Um casal feliz
Era um fim de tarde entre o Natal e o Ano Novo, e caía uma chuva fininha que não dava um minuto de trégua, como acontece no inverno de Paris. O boulevard St. Germain estava todo iluminado, as vitrines uma verdadeira festa, e um casalzinho jovem parou diante de uma delas para olhar.
Estava claro que eles vinham de uma cidade pequena para o fim de ano em Paris; todo mundo andava rápido para não se molhar, mas eles nem ligavam, tão embevecidos estavam com o que viam. Detalhe: a loja era de roupas e acessórios e na vitrine não havia o preço de nada.
Depois de conversarem muito tempo, bem baixinho, eles entraram; entraram, veio uma vendedora, ela pediu para ver uma echarpe e procurou um espelho para ver como ficava.
A vendedora foi junto e houve uma longa sessão em que foram mostradas as diversas formas de usar uma echarpe: fazendo duas voltas em torno do pescoço e deixando as pontas nas costas; dando um nó do lado e jogando uma ponta para a frente e a outra para trás; sobre a cabeça, cruzando na parte da frente do pescoço; enrolada na alça da bolsa; por dentro do casaco e as mil outras que todas as mulheres já nascem sabendo – como ela. Mas eles deveriam estar de acordo, os dois, para que a compra fosse feita. Estava claro que eram casados há pouco tempo e se amavam.
Detalhe: em países ricos como a França, a compra de uma echarpe é uma coisa banal e rápida – e aquela nem custava caro –, mas para o jovem casal, via-se, era uma transação importante, e uma mulher que ama não faz uma compra dessas sem a opinião do marido.
A vendedora foi atender outro tipo de cliente, aquelas que em um minuto decidem se compram ou não, se era sim tiravam o cartão de crédito, pagavam e saíam, mas o casal tinha todo o tempo do mundo e trocava idéias sobre se deviam ou não levar a echarpe. Afinal, estavam em Paris, e provavelmente aquele seria o presente de viagem dele para ela. A vendedora percebeu que devia deixá-los em paz e eles olharam a loja inteira – sempre com a echarpe na mão.
Ela voltou para a frente do espelho – com ele ao lado –, fez mais algumas experiências de como poderia usá-la, os dois se olharam e tomaram a decisão: iam comprar. Procuraram a vendedora e ele – ele – disse que haviam resolvido. A echarpe foi embrulhada em papel de seda e colocada numa sacola de papel grosso, e não na costumeira sacola vermelha de tecido com o logotipo da loja, para ser protegida da chuva. A conta foi paga com cartão, e na hora de ir embora a moça perguntou baixinho à vendedora se não poderia botar dentro da sacola de papel a sacola de algodão vermelho, para levar de recordação – o que foi feito.
Eles saíram debaixo da chuva que caía um pouco mais forte, de mãos dadas, mais felizes do que se tivessem comprado o mais valioso diamante da mais luxuosa joalheria da cidade, e quem acompanhou tudo teve um pequeno aperto no coração e uma inexplicável e rápida vontade de chorar.
Gente simples, ingênua e feliz às vezes provoca essas reações bobas.
Danusa Leão – in "As Cem Melhores Crônicas Brasileiras"
Um comentário:
A simplicidade em tudo é muito bom, não perdemos tempo com as coisas que não tem nada a ver conosco.
As pessoas não aceitam o simples, o engênuo, pois consideram bobos e trouxas, não podemos agradar nem gregos e troianos.
Espero que todos sejam muito felizes.
Abraços.
M.S
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