Deveria existir um curso para orientar pais e mães na criação de seus filhos. E o curso deveria ser obrigatório: quem não tivesse o certificado do curso deveria abortar ou perder a guarda dos filhos. Drástico? Não, segundo os filhos, mostram as pesquisas.
Mas, para ser eficaz e resolver todos os problemas, o curso deveria ser prático, direto, matemático, sem psicologismos baratos: Seu filho do tipo B, está diante da situação D-4? Reaja conforme regra xyz. Um pai P-35 e uma mãe M-456 (mãe é mais complicada, devem existir mais tipos diferentes), com um casal de filhos H-294b e M-789c-3? Devem seguir as regras do Protocolo 3, art. 176, §5o na educação de seus filhos. O filho do tipo M-67x quer brincar com bonecas? O pai P-875 deve reagir da forma K-45, levando o menino para a atividade Ztyk. A filha do tipo M-45903 chegou tarde em casa? A mãe do tipo M-34jrufh67 deve seguir a regra 49 do Sistema 4RT, e o pai deve procurar no Catálogo PyK qual a atitude a ser tomada conforme o seu tipo.
Complicado, não? Por isso é que não existe tal curso e as pessoas continuam tendo filhos sem saber exatamente como deve criá-los, educá-los, enfim. Nós tentamos, erramos, acertamos, perguntamos para uns e outros, acertamos, erramos, às vezes procuramos ajuda especializada, erramos, acertamos; lembramos de como nossos pais faziam conosco, fazemos igualzinho a eles – se deu certo comigo, dará com meus filhos - acertamos, erramos; fazemos o oposto deles – meus pais fizeram tudo errado, eu não vou criar meus filhos daquele jeito - erramos, acertamos, etc. e só no fim vamos saber se acertamos ou não, torcendo para que tenhamos mais acertos do que erros. O problema é quem vai nos julgar são eles, nossos filhos, que também não sabem bem o que esperariam dos pais, da vida...
Conforme as fases da vida dos filhos, os pais estão sempre certos, sempre errados, algumas vezes fazem alguma coisa certa, etc. São coisas de que vivem os psiquiatras, psicólogos, analistas, terapeutas de toda espécie.
Mas o que interessa aqui é registrar que a maioria dos pais, não todos é claro, tenta fazer o que acha mais certo para seus filhos. Mesmo aqueles que vemos estarem fazendo tudo errado, acreditam que estão agindo corretamente para transformarem seus filhos em boas pessoas, felizes e vitoriosas. E quando aplicam algum castigo a seus filhos (exceto os sádicos) acham que estão fazendo a coisa certa para os colocar no bom caminho.
No livro "Os sete loucos", de Roberto Alt tem uma passagem impressionante sobre os erros em que os pais podem incorrer quando procuram educá-los corretamente. O personagem principal é traumatizado pelo comportamento do pai dele ao puni-lo quando ele fazia alguma coisa errada. O livro é semi-autobiográfico. Os pais do autor eram imigrantes europeus protestantes, de moral rígida, que batalhavam arduamente para sobreviverem na Argentina no início do século vinte.
Nota-se claramente que o pai tinha as melhores intenções em adotar aquele sistema, mas causou um dano irreparável à personalidade do filho. Vou deixar vocês com um trecho do livro:
"... Quem começou este feroz trabalho de humilhação foi meu pai. Quando eu tinha dez anos e havia cometido alguma falta, me dizia: "Amanhã, você vai apanhar". Sempre era assim, amanhã ... Vocês se dão conta? Amanhã ... E naquela noite eu dormia, mas dormia mal, com um sonho de cachorro, acordando-me à meia noite para olhar assustado os vidros da janela e ver se já era dia, mas quando a lua cortava o barrote da abertura, fechava os olhos, dizendo-me : falta muito tempo. Mais tarde acordava outra vez ao sentir o canto dos galos. A lua já não estava ali, mas uma claridade azulada entrava pelos cristais, e então eu tapava a cabeça com os lençóis para não a ver, embora soubesse que estava ali ... embora soubesse que não havia força humana que pudesse afastar aquela claridade. E quando, por fim, eu havia adormecido profundamente, uma mão me sacudia a cabeça na almofada. Era ele que me dizia com voz áspera: "Vamos ... está na hora". E enquanto eu me vestia lentamente, sentia que no pátio aquele homem movia uma cadeira. "Vamos, me gritava outra vez, e eu, hipnotizado, ia em linha reta rumo a ele: queria falar, mas isso era impossível ante seu olhar espantoso. Sua mão caía sobre meu ombro obrigando-me a ajoelhar, eu, apoiava o peito no assento da cadeira, punha minha cabeça entre seus joelhos e, de repente, chicotadas cruéis me cruzavam as nádegas. Quando me soltava, eu corria chorando para meu quarto. Uma vergonha enorme afundava minha alma nas trevas. Porque as trevas existem, embora você não acredite.
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"- Eu sabia que a maioria dos filhos não apanhava dos pais, e na escola, quando lhes ouvia falar de suas casa, uma angústia tão atroz me paralisava que, quando estávamos em aula e o professor me chamava, eu o olhava apatetado, sem me dar conta do sentido de suas perguntas, até que um dia me gritou: "Mas você, Erdosain, é um imbecil que não me ouve?" Toda a sala se pôs a rir, e desde aquele dia me chamaram de Erdosain, "o imbecil". E eu, mais triste, sentindo-me mais ofendido do que nunca, calava por temor às chicotadas de meu pai, sorrindo para os que me insultavam ... mas timidamente. Pode imaginar, capitão? Insultam-no ... e você ainda ri timidamente, como se fizessem um favor ao injuriá-lo.
"... mais tarde me chamaram muitas vezes de "o imbecil". Então, subitamente, minha alma se encolhia ao longo dos nervos, e aquela sensação de que a alma se escondia envergonhada dentro de minha própria carne me aniquilava qualquer coragem; sentindo que me afundava cada vez mais e olhando nos olhos de quem me injuriava, em vez de derrubá-lo de uma bofetada, me dizia: "Este homem se dará conta até que ponto me humilha?" Em seguida ia embora; compreendia que os outros não faziam mais que terminar o que meu pai havia começado".
DEPOIS DESSE ANIQUILAMENTO MORAL, PERPETRADO PELO PAI COM AS MELHORES INTENÇÕES, O QUE DIZER?
QUE A GENTE NÃO ESTEJA INCIDINDO NO MESMO ERRO!!!!!!
José FRID
(Revisto em 2015: continua com o mesmo vigor!)
(Revisto em 2015: continua com o mesmo vigor!)
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