sábado, 23 de fevereiro de 2008

Quinto dia



Cinco dias sem sair de casa. Sem calçar meias ou sapatos ou tênis (meus tênis tão solitários!). Cinco dias sem dar bom dia para o porteiro. Cinco dias sem andar nas ruas. Cinco dias sem dirigir ou andar de carro. Cinco dias sem Metrô. Cinco dias sem ver pessoas diferentes pelas ruas (os anjos, onde estarão os anjos da Sé?). Cinco dias sem ir no escritório (acho que isso é a parte boa!). Cinco dias sem comprar nada (por onde anda minha carteira?), sem comer uma besteirinha na rua, doce ou salgada, um mate, um pão de queijo, uma paçoca. Cinco dias sem tomar chuva. Sem correr no parque. Sem ir a uma livraria, uma banca de jornal, ao cinema, ao teatro. À exposição da Tarsila. Um chopinho com os amigos. Cinco ...


Sábado, domingo, segunda, terça, quarta. Cinco dias. Quantos mais?


Não sei quando isso vai acabar, mas sei que vai ter fim. Já tirei as faixas, os roxos já estão ficando paulatinamente menos roxos (talvez esverdeando e/ou amarelando). As dores estão diminuindo, já estou andando espantosos quinze minutos!


Andar, meu compromisso atual. Tenho que repousar duas horas, deitado ou recostado com os pés acima do coração, e depois andar um pouco. Cinco, dez, agora quinze minutos. Não posso sentar nem ficar parado em pé. Quinze minutos andando. Fácil, não?


Seria, se pudesse sair pelas ruas flanando, observando as árvores, as pessoas, o engarrafamento, os buracos da calçada, o cocô do cão .... Levo menos do que esse tempo para chegar no Metrô. Ou quase duas voltas no lago do parque. Como colocar vários quarteirões dentro de casa?


O filho do vento operou as asas dos pés, mas é um forte! É hora da primeira caminhada do dia. Preparar, levantar, partir! Levantar não tão rápido para não ficar tonto (mais, dizem as más línguas), partir ereto sem mancar, nada está doendo (viu, mente?). Sem correr, saboreando o percurso, o que importa é o caminho e não o ponto de chegada, que será no mesmo lugar.


Pés nos chinelos, primeira parada na varanda do quarto. Parada em sentido figurado, é claro. Primeiro destino, seria melhor dizer. Alguns passos para lá, alguns passos para cá. A luz do sol, o azul borrado do céu, os telhados das casas, o vôo dos passarinhos, os carros .... tudo observado muito rápido, não posso parar. Agora o banheiro, de volta ao quarto, rodeio a cama, vamos à varanda novamente, vejo as folhas da palmeira quase chegando na varanda, quarto andar, qualquer dia ela pode cair de tão alta. Andando!


Percorro o corredor até o quarto do outro extremo. Sei que minha filha não está, mas vamos procurá-la para andar. Estaria ela na varanda? Nela só o sol, o azul borrado do céu, epâ, voltando, não posso parar. No closet? Toc, toc, toc (toc, toc? Sem mancar!) No banheiro? Plat, plat, plat. Saio em direção ao meu quarto, rodeio a cama, varanda e de volta ao corredor. Passaram poucos minutos. Vou ao quarto do filho que dorme, ando um pouquinho no escuro, com cuidado para não bater com as pernas em alguma coisa e saio. Ó corredor, por que não tens um quilômetro?


Alguns passos e entro no escritório. Ligo o computador, a televisão e saio, passo pelo corredor e entro na sala. Agora sim! Espaço! Rodeio a mesa de jantar, lentamente, como se cumprimentasse cada convidado, se visita houvesse, passo pelos sofás, volto e olho os quadros, meço os tapetes com meus passos, na largura e no comprimento, olho o relógio, estou indo bem, volto à mesa, depois os sofás, saio na varanda, muita coisa para fazer aqui.


As cachorrinhas vêm em minha direção, ficam em pé me cumprimentando (macho alfa), fujo delas para evitar que toquem nas minhas pernas e/ou as lambam, vou até a lata de ração, encho o pote delas, volto e coloco no lugar. Pego o pote de água, caminho até o vaso, despejo tudo e volto para a sala. Onde irei encher o pote de água? No lugar mais longe possível, o banheiro da área de serviço!


Que beleza! Passo pela sala toda, cumprimento os comensais, entro na cozinha, área de serviço e encho pote na pia do banheiro. Agora até a porta dos fundos, coloco o jornal debaixo do braço e rumo à varanda. Que jornada, vou conseguir fazer meus quinze minutos de fama. As cadelinhas me acompanharam neste percurso, elas também gostam de andar pela casa. Devolvo o pote de água ao seu lugar, troco o jornal do banheiro das meninas, que saltitam de alegria ao meu redor. Cuidado com as minhas pernas, suas pulguentas!


Aprecio a rua, o céu, o sol, as plantas da minha varanda, o movimento da rua .... fico tão embevecido que paro! Alguns segundos mas paro! Dou conta de repente da transgressão das recomendações médicas e saio a caminho! Entro no escritório pela varanda, a tevê e o computador ligados, acerto o canal de uma, faço a conexão com a internet de outro, tudo andando de um lado para outro, Vou puxar os e-mails quando olho o relógio do computador: meus quinze minutos e esgotaram! Hasta la vista, meu querido computador.


Volto correndo para a cama, deito-me, as cachorrinhas vieram atrás de mim, estão soltas pela casa! Mas só por duas horas! Aguardem-me. Aproveito o repouso forçado para ler jornal, livros, ver televisão, falar ao telefone, escrever no notebook e, principalmente, planejar as próximas caminhadas: ler e escrever e-mails, prender as cadelinhas, colocar o jornal delas no lixo, um tour pela cozinha e área de serviço, passando pela geladeira, despensa e fogão para abastecimento, novo passeio pela sala, pelos quartos, varandas, o que quinze minutos permitirem ou exigirem.


Mas já estou ficando doido em ficar trancado em casa e fazer caminhadas malucas sem ir a lugar nenhum. Não vejo a hora de retornar ao médico. Um passeio, enfim!


Nestas horas é que seria bom morar numa casa com quintal, ou numa chácara. Passaria o dia na rede, com as pernas para cima, e poderia caminhar sossegado pela propriedade, apreciando a natureza!


Pensando bem, pelo menos uma coisa da minha rotina cotidiana eu posso fazer: dar bom dia para o porteiro pelo interfone. É o que farei amanhã, na primeira ronda do dia! Será que ele sentiu falta do bom dia ou nem percebeu que estou trancado em casa?


José FRID

2 comentários:

Anônimo disse...

Calma rapaz!! Não se desespere. O que voce quer fazer na rua com este temporal? Nadar no asfalto? Mergulhar o seu carro na lama? São Paulo está um caos , não é? A TV esta mostradndo toda hora o desastre que está isto isto aí. FIQUE QUIETINHO NA CAMA,jÁ VI QUE VOCÊ NÃO SAI DO COMPUTADOR. abraços

breve recuparação
Celsa

=] ! disse...

Olá! =]

Achei o seu blog por acaso... e comecei a ler! Gostei muito do que escreveu!
Sinto sensibilidade em suas palavras... adorei! ^^

Parabéns pelo blog! =]

Se você quiser... dá uma passadinha no meu blog e comenta... ;)

E me desculpe pela inavasão! Rsrs...

Abraços!