sexta-feira, 28 de março de 2008

Arrufos Metropolitanos - II

(Para ler o Capítulo I clique aqui)


O celular! Por que não pensara antes nele? "O número chamado está desligado ou fora da área de operação". Tanto tempo sem celular que ela deve ter esquecido de ligá-lo, pensou. Tentou novamente, a mensagem se repetiu. Ela tinha ligado para avisar a que horas chegaria. Será que ela usara outro celular? Ele consulta a memória do telefone e aparece o registro do celular dela. Talvez a bateria esteja descarregada, especulou. Aguardaria por ela mais um pouco.

Será que ela iria gostar do anel? Ela era enjoada, trocava tudo que ele lhe dava. Ele não acertava o gosto dela, mas reconhecia que ela sempre trocava o presente dele por algo melhor. Danadinha, vaidosa como o quê. Esse comportamento trazia um problema para ele, pois não podia comprar nada muito barato, ponta de estoque ou em liquidação. Só podia entrar em lojas com amplas possibilidades de troca. Considerara isso quando comprara o anel. Adquirira uma peça mais cara do que pensara inicialmente só para provar o tamanho do seu amor, não por ter caído na esparrela da vendedora.

Tirou novamente a caixinha do bolso, abriu e a pedra faiscou. Ele achou o brilho meio embaçado, sem vida. Procurou um local com luz mais forte e ela reluziu vivamente. "Com a luz mortiça do vagão do metrô o anel não fará o efeito desejado, ela não dará o devido valor", pensou. Tinha que entregá-lo sob uma luz bem forte. Poderia até ser ali mesmo, sob aquela luz. Não importava o local, mas a luz. E ao sol, seria melhor? Deixaria para entregá-lo no próximo domingo, num parque, à luz do sol? Na dúvida, ele deveria adiar a entrega do anel? Não sabia mais o que fazer, a segurança inicial tinha se esvaído.

Voltou para seu posto de observação. Nem sinal dela, já estava preocupado. Olhou o relógio, dez e quinze. Nem tinha percebido que já era tão tarde. Tinha ficado imerso em seus devaneios e nem percebera o tempo passar. Ligou novamente para o celular dela, que continuava desligado. Será que ela tinha passado por ele sem vê-lo? Não, seria impossível, ela sabia que ele estava aqui a esperando.

Examinou cuidadosamente o corredor dos banheiros. Ela não estava na fila de espera. Aguardou um pouco, entraram e saíram mulheres e nada dela aparecer. Desceu à plataforma do Metrô, nem sinal dela ali também. Voltou às catracas. Teria que sair para procurá-la. Estava profundamente arrependido de ter marcado encontro ali nas catracas do Metrô. "Por que não marcara esperá-la na plataforma de desembarque do ônibus", se pergunta. Não haveria desencontro, poderiam pegar um táxi e irem direto para a casa dele, matar a saudade.

E lá entregaria o anel, talvez ajoelhado. Uma garrafa de Periquita, uma comidinha, tudo daria certo. Mas agora não, tinha feito bobagem. Talvez tivesse respondido para ela "nas catracas", quando perguntara onde se encontrariam, por força do hábito, das inúmeras vezes que combinaram assim. E ele tem certeza que foi o mesmo hábito que fez ela aceitar o local, sem pensar que teria de arrastar sua bagagem por muitos metros, além de subir escadas, no meio da multidão.

Ele sai do Metrô e segue direto para a fila única da bilheteria, que continua imensa. Verifica pessoa por pessoa e constata que nenhuma está de saia florida. Resolve ir em direção ao banheiro feminino. Ela também não está nessa fila. "E se ela estivesse no banheiro, ou passando mal? Como verificar lá dentro?", especula. Chama uma faxineira que está passando, expõe o sumiço da namorada, a possibilidade dela estar precisando de ajuda e pede-lhe para verificar lá dentro. Ela retorna e informa que olhou todos os boxes e que não há ninguém lá passando mal.

Ele parte rápido para a praça de alimentação, dá uma olhadela, segue para a livraria, depois desce à plataforma de desembarque dos ônibus interestaduais, repete o contato com as faxineiras dos banheiros femininos, nem sinal dela. Para onde ela teria ido, se pergunta.
Sem saber o que fazer, ele volta para frente das catracas. Descreve-a para um segurança que está ali na entrada do Metrô. O homem assegura que ela não passou por ali e sugere que ele a procure na praça do outro lado, depois da passarela. "Sim, como não pensei nisso, pode ser que ela tenha ido comer em alguma das barraquinhas, é louca por salsichão e churrasquinho de "gato"", ele responde. Pede para o segurança permanecer ali até o seu retorno. E parte célere, quase atropelando as pessoas que estão na passarela e nas escadarias. Esforço inútil, pois não a encontra e ninguém tinha a visto por ali.
Volta cabisbaixo, o segurança diz que por ali ela ainda não tinha passado. Ele se pergunta novamente por que marcara nas catracas. Economia? Certamente não, diante do montante que tinha gasto no anel. Na verdade, a escolha fora simbólica. Tinham se conhecido no Metrô, lá namoravam, inúmeras vezes ficaram indo e vindo nas linhas do Metrô, adiando ao máximo a separação. A primeira vez que transaram tinha sido em frente à estação do Metrô, depois de muito amasso no vagão.

Ele se desliga da longa espera e passa a recordar aquela ocasião. Feriado longo, viagem à praia com os amigos. Foi pegá-la na estação Tucuruvi, vieram entre beijos e abraços até o Jabaquara. Desceram do trem cheios de desejo e, quando foram comprar as passagens de ônibus para o litoral, viram o motel do outro lado da rua. Entreolharam-se e, sem falar nada, atravessaram abraçados a via pública, ela arrastando a mesma enorme mala preta de hoje, ele com discreta mochila. Mal deu para segurar até entrarem no quarto. Isso era ou não amor? Nem viajaram. No dia seguinte, pela manhãzinha, assim que o Metrô abriu, foram para a casa dele passar o resto do feriado, aproveitando que seu colega de quarto já tinha ido para praia.

O auto-falante da estação acaba com seu devaneio. Ele volta a se preocupar com a demora dela. "E se ela tivesse ido para o outro lado, onde param os ônibus urbanos?" Lá também tinha banheiros e ambulantes com comidinhas. O segurança assegura a ele que ficará lá por bom tempo. Então, Ele decide verificar, pois não resta mais nada a fazer por ali, já está cansado de ficar plantado.

Segue pela estação, agora sem pressa, mas atento às pessoas que passam, sempre coma esperança de encontrá-la. Quando alcança as escadas de acesso às plataformas dos ônibus interestaduais, ele se debruça na amurada e tenta ver se ela está lá embaixo. Nada.
Prossegue até o final do largo corredor, surgem a rampa e a escada de acesso à rua e aos pontos de ônibus municipais. Decide descer pela rampa, imaginando que seria a escolha dela por causa da mala, mas de olho na escada, ela às vezes não se guia pela lógica.
A calçada está quase vazia, dá para ver tudo do final da rampa: um ônibus, uma pequena fila com cinco futuros passageiros, dois fiscais de ônibus conversando e um pipoqueiro triste, arrumando seu carrinho para partir.

"Sumiu de vez", ele conclui. "O número chamado está desligado ou fora da área de operação". "O número chamado está desligado ou fora da área de operação". "O número chamado está desligado ou fora da área de operação"... Cinco ligações infrutíferas. Desiste. O Metrô está quase fechando, precisa ir embora. "E ela?", pergunta para seus botões. "Vai ver um parente veio buscá-la e ela não conseguiu avisá-lo por causa da bateria do celular", eles respondem para tranqüilizá-lo.

Afasta um pensamento tétrico sobre um possível seqüestro e sobe a escada de retorno. Ouve portas de um veículo sendo fechadas com certa força, a partida do automóvel e os latidos escandalosos de um cachorrinho. "Alguém chegou de viagem e foi um fox paulistinha que veio recebê-lo", conclui.

Por onde andará Adriana Pimenta?

Não perca o próximo eletrizante capítulo!

Breve aqui na sua telinha!

José FRID

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