sábado, 15 de março de 2008

Quando um feto vira bebê? Discussão na Suécia

"Enquanto aí (no Brasil) se discute quando começa a vida, aqui (na Suécia) se debate com quantas semanas um feto é um bebê.

Dos cerca de noventa mil bebês que nascem anualmente na Suécia, um em cada vinte nasce prematuro. Aqueles que, nascendo até a 28a. semana de gestação, não vingavam, eram até agora considerados fetos perdidos, não recebendo nome e número no registro civil.

Recentemente, porém, decidiu-se aqui na Suécia que um bebê nascido morto a partir das 22 semanas de gestação terá direito a um nome e registro civil, a um enterro, a um lugar no cemitério, etc.

Na verdade, trata-se de uma proposta do governo, apresentada ao parlamento sueco. A proposta classifica como "natimorto" o bebê que se "perde" a partir das 22 semanas e representa uma profunda mudança aqui.

Para começar, é interessante lembrar que o limite de 22 semanas é o mesmo para os abortos tardios aqui na Suécia.

Mas, com os avanços da tecnologia e a possibilidade de manter vivos bebês prematuros com menos de 28 semanas de gestação, é natural que se discuta quando um feto está "pronto" e, portanto, considera-se como uma pessoa.

E o fato é que 80% dos bebês prematuros nascidos entre a 22a. e a 28a. semanas são atualmente salvos com a tecnologia moderna.

O assunto é delicado, talvez até mais complicado do que a discussão sobre as células-tronco. E se transforma num tema ainda mais interessante neste momento em que aí no Brasil se debate a descriminalização do aborto.

Afinal, quando é que o ovo fecundado passa a ser um ser humano? Quando é que um feto deixa de ser feto e se transforma em um bebê?

Por exemplo, numa gravidez de gêmeos, o que acontecia aqui na Suécia quando um dos bebês nascia prematuro antes das 28 semanas e se salvava, enquanto o outro morria? O bebê salvo é um bebê e o outro era apenas um feto? Um registra-se e o outro desaparece, apenas?

Na França está em curso o mesmo tipo de debate. Naquele país decidiu-se recentemente que um bebê nascido prematuramente, em qualquer semana de gestação, tem direito a ter seu nome registrado. Uma das conseqüências práticas da decisão é que uma mulher que sofre um aborto ou perde um bebê muito prematuro passa a ter direito a licença-maternidade.

Não quero aqui falar contra as pesquisas com células-tronco, nem contra o direito ao aborto ou à possibilidade de interromper uma gravidez indesejada.

Entendo, até, que com muitos outros temas urgentes a discutir, como o atendimento às necessidades básicas de alimentação, moradia, emprego, educação e saúde, a gente não queira dedicar tempo e energia a discussões éticas profundas.

Mas tem sentido que se lute para manter com vida um bebê de 22 semanas em uma unidade de neonatologia, enquanto em outro pavilhão do mesmo hospital se faz um aborto às 22 semanas de gravidez?

É, viver é mesmo complicado. E viver consciente das opções éticas que fazemos é ainda mais difícil.

Como se já não tivéssemos muito em que pensar..."

Por Sandra Paulsen, casada, mãe de dois filhos, é baiana de Itabuna. Fez mestrado em Economia na UnB. Morou em Santiago do Chile nos anos 90. Vive há oito anos em Estocolmo, onde concluiu doutorado em Economia Ambiental.

Obtido no Blog do Noblat

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