terça-feira, 1 de julho de 2008

Arrufos Metropolitanos - XII

Capítulo XII

Os "cinco minutinhos" quase viraram trinta, sessenta minutos, se não fosse a atuação enérgica de Vilma em obediência ao bilhete deixado por Adriana, solicitando que a mãe a acordasse de qualquer maneira (como no original), pois tinha reunião na matriz em Alphaville com a Ruth. Não podia atrasar.

Foi difícil para Vilma cumprir sua missão. Adriana estava imersa no sonho com Pedro Paulo e não queria deixar aqueles momentos paradisíacos para enfrentar a dura realidade. Ruth ou Pepê? Para Vilma nada disso importava, ordens são ordens: pediu para acordar tal hora, a pessoa será acordada na hora desejada. Seus filhos, nestas horas, dizem que ela não é mãe, é madrasta. Ou que é mal do nome: Vilma, a que seqüestrou o Pedrinho e criou como filho. Eles dizem que vão fazer o teste do DNA. Têm certeza que não nasceram daquilo. Ou que ela é uma verdadeira sargentona, está na profissão errada, devia entrar para o exército. De qualquer forma, sempre recorrem a ela quando é necessário cumprir um horário.

Adriana, no momento que foi interrompida pela Vilma, sonhava com a primeira vez dos dois. Chegara nesse ponto por causa dos pijamas sonhados. Ele já a tinha convidado repetidas vezes para ir ao seu apartamento, mas ela não quisera ir, alegando mil motivos. Na verdade, estava insegura de ir onde moravam dois homens solteiros, sendo que nem conhecia um deles. O que poderia encontrar lá?

Não era só a questão dos dois rapazes, mas também a habitabilidade do local. E se chegasse lá e fosse a maior bagunça? Ela se conhecia: acabaria o tesão na hora, sairia correndo. Imaginava a casa dos dois. Panelas imundas empilhadas na pia, pratos e copos sujos por todo lado, roupas espalhadas pelo chão, lençóis com semanas de uso, banheiro com limo, jornais velhos amontoados, embalagens de pizzas, caixinhas do Habib's, a geladeira vazia, ou melhor, com restos mofados de comida, argh!

Além do Gonçalves. Com esse nome e vindo de Santos, poderia ser um português daqueles gordos, peludos, bigodudos, andando de cuecas furadas pela casa, coçando o saco, palito nos dentes, grosso como só ele. "E aí, guria, dá uma arrumadinha na casa pra nós?" Horror, horror!

Na casa dela não dava, a sargentona proibia. Casa de amigos não tinha graça. Motel ele nunca convidara. Também, como só andavam de metrô, ônibus ou táxi, nem morta ela iria assim a um motel. Tenha paciência, não? E no carro dela nem pensar! Ele, se quisesse, teria que trazer de Santos o seu automóvel. Ela merecia no mínimo essa atenção!

Ele insistia, dizia que a casa era um brinco, tudo nos devidos lugares, tinha faxineira duas vezes por semana, a geladeira sempre repleta de alimentos saudáveis. Ele sabia cozinhar bem, o Gonçalves também. Um santista esbelto, educadíssimo, quase um Fernando Pessoa, brasileiríssimo descendente de portugueses, surfando nos fins de semana do Guarujá. "Desse jeito, com tantas qualidades, errei de pessoa. Vou trocar você por ele!", ela disse.

Entretanto, dia a dia o desejo do casal aumentava, precisavam achar logo uma solução. Adriana pressentiu que, mais uns dias, ela é que arrastaria o mancebo para a primeira cama disponível, até num cortiço da Sé.

Um feriado se avizinhava. Ela armou uma viagem à praia com amigos. Campo neutro. Limpo. Problemas: os amigos. Tinha que arranjar um jeito de ficar só com ele. Ir à praia com a galera, inventar que esqueceu algo na casa, voltar com ele. Ou acertar com outro casal um troca-troca. No bom sentido: vai um homem para um quarto, vem uma mulher para o outro. Haveria troca-troca no mal sentido?

Tudo planejado, cheios de expectativas, saíram cedo do trabalho na véspera do feriado. Ela foi para casa se arrumar e pegar a mala. Ele foi pegá-la na estação Tucuruvi, vieram entre beijos e abraços até o Jabaquara. Tudo certo? Não. Tudo corria bem, mas ela temia a primeira vez com ele. E se não desse certo? Como despachar o gajo no meio dos amigos? Teria que agüentá-lo os quatro dias, fingir interesse na frente de todos. E se fosse bom só para ele? Pedro Paulo iria querer repetir e ela não. Ele ficaria cercando, insistindo, um terror. Caso os dois gostassem, também teriam problemas. Como ficar juntinhos, fazendo o que tem que ser feito, com tanta gente pela casa?

Ela deparou-se com a realidade: em qualquer hipótese, não ia dar certo o feriado planejado. Podia acrescentar o risco de passar os dias fazendo comida, coisa que odiava. Lavar pratos. Sempre sobrava para as mulheres. Os babacas na sala ou na varanda bebendo cerveja e elas camelando na cozinha.

Saíram do Metrô cheios de desejo, mas ela preocupada. Quando foram comprar as passagens de ônibus para o litoral, viram o motel do outro lado da rua. Ela teve um lampejo: a solução estava à sua frente. Campo neutro, limpo e sem amigos. Não precisariam arranjar motivos para ficarem a sós, pois já estavam. Se desse tudo certo, seguiriam viagem. Em caso contrário, cada um para seu lado. Simples.

Ela apertou forte a mão dele. Abriu um sorriso bonito. Entreolharam-se. Ele sorriu também. Sem falar nada, abandonaram a bilheteira falando sozinha e atravessaram a via pública abraçados, ela arrastando a mesma enorme mala preta, ele com discreta mochila. Mal deu para segurar até entrarem no quarto. Mochila sobre a mala, roupas sobre roupas. Os receios dela foram infundados. Nem viajaram. No dia seguinte, pela manhãzinha, assim que o Metrô abriu, foram para a casa dele passar o resto do feriado. Gonçalves? Em Santos, surfando no Guarujá, ele garantiu.

E os pijamas do sonho? Calma. Estamos chegando lá. Na casa dele, deixaram as malas na sala, um repeteco rápido no quarto e saíram para comer alguma coisa. "Não tem nada em casa por causa do feriado", ele explicou. Ela nem quis ver muito do apartamento para não cortar o clima romântico. Depois, quem sabe?

Foram ao shopping, colado à casa dele, mataram a fome, flanaram pelos corredores, passando em revista todas as vitrines até chegarem na passarela. Melhor dizer que ela passou em revista, ele só acompanhou com enfado. Mulher e homem, cada qual com seu interesse. Caminharam de mãos dadas, ele estava bonzinho, sem pressa, nem reclamava quando ela entrava numa loja ou outra para ver melhor uma roupa, um sapato, um perfume, uma pulseira. Ele ficava na porta a aguardando pacientemente. Nada como a primeira vez.

Numa loja em liquidação, ela fez ele experimentar um pijama de flanela. "Caiu bem em você, vamos levar". "Não quero, não preciso, bobagem." Ela mandou embrulhar para presente, pagou e deu para ele: "É seu, amor!". Ao sair da loja, num canto perto da vitrine, ela descobriu um pijama rosa, "lindo, fofíssimo!". Experimentou. "Caiu bem em você, vamos levar". "Não quero, não preciso, bobagem." Ele mandou embrulhar para presente, pagou e deu para ela: "É seu, amor!", disse arremedando-a. Enamorados são assim mesmo.

Foram dias com pijamas, sem pijamas, filmes, shopping, comidinhas nas boquinhas um do outro, as Periquitas deixadas pelo Gonçalves. O apartamento correspondeu às expectativas, limpo, arrumado. A habilidade de Pedro Paulo no fogão não pode ser comprovada daquela vez, ela teve medo de sobrar para ela cozinhar e lavar pratos. Foram ao rodízio de pizzas. Ao "Amigos da Costela"e ao "Pilequinho". No "Marítimo". Frutos do mar com MPB. "Tatuapé Club", chope com jazz. "Dogão e Cia" ouvindo o badalar do sino da igreja. É o amor! Uma foto dos dois amigos na praia dissipou sua preocupação com Gonçalves. Ela decidiu: ali poderia ser o ninho do casal. Os pijamas passaram a morar juntos no armário dele, gaveta inferior da esquerda. Seu paletó enlaça meu vestido .....

Vilma finalmente consegue cumprir com sua missão. Conseguiu ressuscitar Adriana. Agora dia normal. A rotina impera. Ou melhor, imperaria se não fosse atrapalhada pelas lembranças do sonho com ele. Liga o celular, escuta mil mensagens dele na caixa postal. Embevecida, enlevada com as declarações dele, esquece da vida, atrasa-se, sai correndo ainda descalça, sapatos e bolsa nas mãos, além das pastas com os relatórios. O celular jaz ligado na mesinha de cabeceira. Olavo vem cheirar o aparelho e se assusta com a sua campainha soando. Late desesperado. Vilma vem ver o que ocorre. "Essa menina não esquece a cabeça ..." Escuta o som do automóvel sair da garagem. Coloca o celular na mesinha, puxa o cachorro e fecha a porta do quarto.

O Peugeot vermelho, "sua primeira Ferrari, me aguardem!", dispara pelas ruas da Zona Norte à caça do Rodoanel. Ela ainda pensa nele, tem que resolver a questão, não pode ficar fugindo dessa forma. O sonho mostra que ela está ligada nele. Recorda-se da mensagem do dia na sua agenda: "Amor é um não sei quê, que surge não sei de onde e acaba não sei como".
Acabou? Como acabou? Ela resolve consultar o oráculo. Abre o porta-luva e pega um bombom .......

José FRID

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