Outro dia, descendo a avenida depois do trabalho, quase tropecei numa porta. Isso mesmo, uma porta para uso externo, com recortes de madeira e janelinha de vidro. Já não tinha maçaneta nem dobradiça, mas a fechadura continuava no lugar. Metade cinza, metade cor de madeira surrada, mostrando sua idade.
Essa calçada acompanha o longo muro de um prédio em construção e as árvores sombreiam o pavimento. Como ainda ninguém mora lá, o pessoal mais folgado aproveita para deixar restos de obras, sofás, etc. Naquele dia foi uma porta. Ela ficaria ali estendida até a prefeitura recolher. Tentei empurrá-la para o canto com o pé, mas não consegui, devido ao seu peso e às irregularidades da calçada.
No dia seguinte, fazendo o mesmo trajeto, verifiquei que a porta tinha sido colocada sob a cobertura do ponto de ônibus. Seria nossa velha conhecida arrumando novo "cafofo"?
Lembram-se dela? Contei a sua história, quando ela adotara um sofá como sua casa (Para ler ou reler clique aqui). O móvel tinha sido abandonado sob a cobertura de um ponto de ônibus. A crônica termina com ela acocorada, ainda envolta no cobertor, sobre um carpete encharcado, cabelos amarfanhados, olhar perdido, mas sem enxergar a chuva, pensando em quem foi que fez aquela maldade com ela.
Ela ainda ficou alguns dias por ali, marcando seu lugar com algumas trouxas e roupas, que ninguém tinha coragem de pegar face ao seu precário estado. Mas tinha medo de algum dia alguém passasse e tocasse fogo nela, como tinha ouvido por aí. Acabou partindo, pois o sofá era que dava ar caseiro ao ponto de ônibus, fazia com que os passageiros respeitassem seu espaço.
Será que ela estava de volta? Sim, a mulher é tinhosa: arrastou a porta para o ponto e se instalou. A casa estava novamente demarcada. A chuva passaria por baixo da porta, mantendo-a seca. Um pouco dura? Sim, mas para quem já dormiu sobre o chão duro e gelado, não é tão ruim assim. Passei de carro na noite seguinte e lá estava ela, encolhida sobre a porta, toda enrolada no seu cobertor, o saco de pertences ao lado. Breve os vasos de plantas? Quanto tempo durará esse novo lar?
É curioso como a gente passa por um morador de rua, na sua situação precária, ali exposto ao frio e chuva, e passamos e vamos embora para o nosso lar. Já abordei esse assunto na crônica "Era gente", e continuo com as mesmas dúvidas, como é que conseguimos dormir com esse pessoal lá fora?
Pelo menos, não somos daqueles que tacam fogo ......
José FRID
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