quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Domingão da Eleição – Reminiscências (?)


Na madrugada de domingo choveu forte em duas ocasiões, com tudo a que tem direito: trovões, relâmpagos e um colossal barulho de chuveiro aberto sobre a cidade. Conclusão: acordo duas vezes. Sorte que estava cansado, conseguindo dormir de novo nas duas ocasiões. E sorte também por não morar em beira de rio ou encosta de morro: quem consegue dormir nessas condições, com o céu desabando?

Digamos que choveu à beça, choveu a cântaros, choveu canivetes, choveu copiosamente, ou como os ingleses falam, choveu gatos e cachorros ou "it's raining cats and dogs". "À beça" todo mundo sabe o que é: muito, bastante. "A cântaros" tem o mesmo sentido, choveu como se tivessem esvaziando cântaros, vasos contendo água, ou retirando água com baldes. Agora, o que significa chover canivete? Consulto o dicionário e ele remete aos "cântaros".

Não satisfeito, navego um pouco pela Internet e acho no site do Mário Prata uma boa explicação:


"O canivete foi inventado na Tailândia, mais precisamente em Bangcoc, por um ferreiro que deu seu nome ao instrumento: Khan Yi Viet (tinha origem vietnamita, conforme demonstra o nome), ainda no século XVI, a pedido do imperador Adul Ya Deja (Rama II). O problema de "chover canivetes" surgiu da grande quantidade do objeto que se derramou sobre a Ásia e, depois, sobre a Europa. Uma verdadeira chuva. Khan Yi Viet morreu pobre quando tentava vender seu invento para a Suíça, pois o imperador não lhe havia pago nada."

"Si non é vero, é bene trovatto"!

O "cats and dogs" tem uma explicação que dizem ser séria:

"Tudo começou na Idade Média... Os telhados das casas não tinham forros e as madeiras que os sustentavam eram o melhor lugar para os animais - cães, gatos e outros, de pequeno porte, como ratos e besouros - se aquecerem. Quando chovia, começavam as goteiras e os animais pulavam para o chão."

Sei não. Gatos, ratos, besouros, aves, etc., no telhado ainda vai, mas cachorros nas vigas do forro? Cachorros iriam se esconder debaixo da cama ou na cama com o dono. Sei não.
E copiosamente? O dicionário ajuda: copioso - em que há abundância, cópia; farto, numeroso, profuso; longo, duradouro. Tranqüilo: choveu copiosamente significa chover em abundância, chover por tempo longo.

O João Ubaldo, no jornal de hoje, também está preocupado com o tempo no dia da eleição: "Tomara que não esteja fazendo um dia enfarruscado, ventoso e frio..."

Esse homem gosta que a gente faça exercício procurando o dicionário:

"enfarruscado - que se enfarruscou; farrusco; manchado de carvão, fuligem etc.; que adquiriu aspecto sombrio; enevoado, escuro (diz-se de tempo)"

Olho pela janela e concluo que o desejo dele não foi atendido, pelo menos em São Paulo: com certeza hoje o tempo está enfarruscado!

Mas deixemos a chuva de lado e vamos ao que interessa: a eleição. Escrevo no próprio domingo da eleição, no início da tarde, depois de ter votado. Digamos que estou jiboiando após o almoço. Aqui em São Paulo ela está chocha, pois a última pesquisa confirmou Marta e Kassab no segundo turno, sem surpresas. A emoção está na disputa do quarto lugar, será que a Soninha passa o Maluf? Ainda existem pessoas que votam no Maluf? Agora asfaltando o Tietê e o Pinheiros? Com essa promessa, deve ter ganho alguns votos de desesperados engarrafados nas marginais. Afinal, Maluf "é o cara!", diz sua propaganda.

A eleição de vereadores não empolga, a não ser quem está trabalhando na campanha do candidato. Animado está no Rio, onde o Gabeira está disputando voto a voto com o Crivella a passagem para o segundo turno; em Salvador, com três embolados em primeiro lugar; em BH, se vai ou não haver segundo turno; ou em Porto Alegre, com a Manuela disputando a vaga com a Maria do Rosário. No Rio estou com Gabeira, nas outras cidades não tenho posição.

Acordei cedo, chovia fraco (Ai, a chuva outra vez! Que fixação desse cara!). Tinha pensado ir andando até ao lugar de votação, unindo o útil ao agradável: dever cívico com exercício físico, preparação para a Meia Maratona do Rio de Janeiro, no próximo domingo. Com esse tempo feio, só de carro, pois minha seção é quase no aeroporto de Congonhas, pertinho do Bahamas, a casa de safadeza do Maroni, que por sinal é candidato a vereador. Pode? Talvez faça sentido, ele emprega as mães de muitos políticos, se vocês me entendem ....

Voto nessa seção eleitoral desde que cheguei a São Paulo. Quando mudei para o Planalto de Piratininga, peguei de cara um recadastramento eleitoral. Aproveitei e mudei o título para cá. Logo depois, 1986, houve a eleição para governador, disputa acirrada entre Maluf, Quércia, Antônio Ermírio de Morais, ele mesmo, o capitão de indústrias, e Suplicy.

Eleição animada. As pesquisas indicavam Maluf disparado na frente, pela Arena ou PDS (um sucedeu a outra), Ermírio em segundo pelo PTB, Quércia em terceiro pelo PMDB (ou ainda seria MDB?), e Suplicy lá atrás. O PMDB acabou ganhando em quase todos os estados brasileiros, São Paulo inclusive, no estelionato do Plano Cruzado (e outros planos econômicos do Sarney). Dessa eleição guardo quatro imagens:

- Um candidato mostrava na televisão fotos das pirâmides do Egito e dizia que eram obras de Maluf, que em seus programas eleitorais já usava o bordão "obras de Maluf", mostrando pontes, córregos canalizados, estradas e até a rodoviária do Tietê. (Continua o mesmo, não?)

- A paródia que o PT fazia em cima da música de campanha do Quércia. O jingle da campanha falava em "o sol nasceu pra todos e também para você. Vote em Quércia, PMDB", mostrando um sol raiando. Na propaganda do Suplicy virava "o céu nasceu para todos e não só para você, corre Quércia, corre Quércia, que eu vou te prender", com o sol atrás das grades. Já havia a suspeição do rápido enriquecimento do Quércia. Quem diria que nessa eleição disputaram seu apoio o PT, o PSDB, o DEM, etc. Também, depois do mensalão, o PT não tem moral para prender ninguém. E não haveria espaço nas prisões para tantos petistas e seus parceiros políticos da base.

- Um comício do Ermírio em Bragança Paulista. Parecia Cristo na cruz entre os ladrões. Noite fria, ele no palanque, com um ar de desolação, mãos nos bolsos da jaqueta bege, os políticos mal-ajambrados falando besteiras, tentando levantar a platéia, eu entre os ouvintes, deu dó. Depois da eleição, ele deu uma entrevista dizendo que nunca mais iria participar da política partidária, coisa nojenta, o tempo todo só pedindo mais dinheiro para ele.

- Suplicy "conversando" com árvores, num sítio do interior de São Paulo. Parece que, depois da eleição, ele perdeu o "eixo" mental, surtou, só retornando à civilização depois de medicado com lítio e uns "tarjas pretas". (Dizem as más línguas que ele até hoje não achou o "eixo")

Apesar de mudar de casa várias vezes, nunca quis trocar de local de votação com medo de ser convocado para ser mesário. Há uma lenda urbana que a justiça eleitoral adora convocar novos eleitores para atuarem nas eleições. Pelo sim, pelo não, fui ficando, mesmo depois de deixar de ser tão novo – há preferência por gente nova – pois nunca tem fila e sempre tem lugar para estacionar. Estacionamento é importante, pois muitos vão de carro, o que significa que eles também não trocam de seção, talvez com o mesmo temor.

Por outro lado, chego na minha sala de votação de olho fechado: passo o portão principal da escola, desço alguns degraus, coloco o pé na sala de entrada, sigo em frente até a escada principal, subo um lance, sigo em frente pelo corredor até o seu final, dobro à esquerda, sigo em frente até a ultima sala e pronto. Esse ano houve uma modificação na escola, colocaram portas verdes nos corredores. A finalidade? Só os professores devem conhecer. Bagunça de alunos, provavelmente.

Fui mesário uma vez, no Rio, e a experiência não foi boa para os dois lados. No frescor dos dezoito anos, cheio de idéias, querendo mudar tudo. Perturbei tanto que o presidente da mesa me colocou como suplente, apenas atuando caso precisasse. Foi pior. Naquela época a eleição ocorria sempre em feriados. Trabalhar na eleição significava, então, perder o feriadão (feriado mais sua emenda), não viajar. Imagina o espírito da turma requisitada pela Justiça eleitoral.

A minha seção ficava numa agência bancária do Bradesco em plena Avenida Copacabana. Dia quente, todo mundo indo para a praia, eu preso ali, sem fazer nada. Esperando. A agência ficava numa loja e não possuía ventilação natural. O piso era de carpete velho e fedido. O vigia encarregado de abrir a agência só acendera as luzes. Disse que não sabia ligar o ar condicionado. Todo mundo reclamando do calor e do cheiro de mofo do carpete. O funcionário dizendo que não podia fazer nada. Eu, como não tinha função específica, dava umas saidinhas para pegar uma brisa marinha e ver as meninas num doce balanço a caminho do mar ....

O presidente da mesa não agüentou. Mandou me chamar e perguntou se eu, um estudante de engenharia, não conseguiria fazer funcionar o ar condicionado central. Ferido nos brios, lá fui eu para o subsolo fazer o monstro funcionar. Olha daqui, mexe dali, consigo localizar o quadro de comando. Dúvida: soará o alarme do banco? "Ala jacta est"! Ao meu comando, a imensa máquina dá um estalo, estrebucha e passa a funcionar. O prédio vibra com a potência do motor. Subo e verifico que já está saindo ar frio pelas grelhas. A equipe bate palmas, um herói. Aproveito a alegria reinante e peço para ir almoçar.

Volto sem pressa do almoço, o ar na agência está abafado outra vez. O vigia voltara do almoço e, sem querer, desligara o ar condicionado. Ninguém sabia ligar. Lá vou eu para o porão fazer a mágica de novo. Conclusão: eu ligava, o ar funcionava até o vigia perceber que ele estava funcionando. Sorrateiramente, ele descia e desligava o equipamento. Quando sentia calor, era minha vez de ligá-lo, também escondido. Liga, desliga, eu estava vendo a hora daquilo quebrar. Ainda bem que a eleição acabou antes da pane geral. O vigia acabou confessando que recebera ordens superiores de manter o ar desligado para economia de energia. Levou um esporro do presidente, que o ameaçou de prisão caso a joça não funcionasse. Depois dessa ocasião, nunca mais fui convidado para prestar serviço cívico. Que pena!

Por falar em votar com automóvel, a minha rua passa o dia da eleição engarrafada. Culpa de uma escola estadual a duas quadras de casa. A maioria dos eleitores vem de fora e querem estacionar na porta. Teoricamente, os eleitores daquela seção deveriam morar por ali perto, prescindindo de automóvel. Na prática é ao contrário: minha mulher e meus filhos têm que votar em seção a dois quilômetros de distância. Conclusão: engarrafamento por toda a cidade.

E não só em São Paulo. Vi na Internet que Copacabana, no Rio de Janeiro, estava parada pelo mesmo motivo: milhares de carros estacionados em qualquer lugar, tumultuando o trânsito, por que seus motoristas queriam parar na porta das suas seções.

Por falar nisso, será já resolveram o problema do ar condicionado na minha antiga seção?

José FRID

ps: a eleição acabou ficando animada em São Paulo, com o Kassab chegando à frente da Marta!

ps2: Kassab foi reeleito para surpresas de todos!

ps3: Depois o Kassab deu vexame na prefeitura. Abandonou-a para fundar um novo partido - PSD - nem de centro nem de direita nem de esquerda! 

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