Mitos constitucionais
"É INCONSTITUCIONAL! " Durante o governo FHC, essa era a primeira coisa que a oposição dizia. Durante o governo Lula, a oposição começa sempre pelo bordão: "É um atentado às liberdades constitucionais!".
Uma Constituição democrática mostra vitalidade e legitimidade quando oposição e situação, direita e esquerda, passam a invocá-la em favor das posições que defendem.
Paradoxalmente, foram os embates em torno da revisão constitucional de 1993 e o empenho do governo FHC pelas reformas que criaram condições para essa consolidação da Constituição como núcleo do sistema político. Quanto mais defeituoso se dizia que era o texto, tanto mais se afirmava a supremacia da Carta de 1988.
Pode-se concordar ou não com as alterações realizadas. Mas o fato é que, a partir daquele momento, a Constituição deixou de ser um texto abstrato e distante da realidade e passou ao centro do debate público.
Vários mitos foram derrubados nesse caminho. Um deles dizia que Constituição boa é aquela que muda pouco, como se escrever com bico de pena fosse garantia de qualidade.
Outro mito era o de que a Constituição seria letra morta, que teria uma função meramente simbólica. Como se um governo fosse se empenhar tanto para obter três quintos dos votos no Congresso, em dois turnos de votação, para mudar um mero conto de fadas. Caiu por fim o mito de que o texto constitucional seria contraditório: não há texto legal unívoco e perfeitamente determinado.
A vantagem de uma Constituição democrática é que o seu sentido não pode ser fixado de antemão de uma vez por todas. Ele está em permanente disputa.
Talvez essa seja a maior lição dos últimos 20 anos. A construção de uma institucionalidade democrática depois de uma longa ditadura militar levou a imagens extremadas do poder do direito. Foi longo o aprendizado de que o direito não é nem a solução de todos os problemas nem um palavreado inútil. Ele só se torna efetivo pelo sentido que lhe dão as lutas sociais e políticas pela sua interpretação.
É por isso que a atividade jurisprudencial e o funcionamento concreto dos tribunais se mostram agora tão ou mais decisivos que o processo legislativo. Pela mesma razão, faz cada vez mais parte da cultura política o princípio de que o código próprio ao direito tem de ser preservado e respeitado para que a disputa pelo seu sentido possa se fazer segundo regras de liberdade e de igualdade. É a invocação e o exercício dessas regras que impedem uma Constituição de se tornar letra morta e uma democracia de definhar em autoritarismo.
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