terça-feira, 19 de maio de 2009

Caminhando pela avenida - I



Ela sai do prédio e passa a caminhar à minha frente pela larga calçada da avenida. Não vi seu rosto, pode ter quinze, vinte, trinta, cinqüenta anos, as mulheres agora usam a mesma moda, sem importar a idade. Feia ou bonita? Pelas costas não posso saber.


Sandália preta de salto alto e fino, toda aberta, quase só sola e salto, expondo unhas vermelho-paixão, um fiozinho de couro entre os dedos, que sobe pelo peito do pé até a fina argola presa logo acima do tornozelo.


Calça jeans básica, apertada, agarrada, cintura baixa, baixíssima, bolsos traseiros com pequenos desenhos brilhantes. No bolso direito o celular. Sem cinto. Camiseta bem justa, branca de alcinhas, malha canelada, braços nus. Cabelos compridos, um pouco abaixo dos ombros, lisos, castanhos, jeitão de recém lavados, escovados. Teria saído do cabeleireiro? Talvez, hoje é sábado.


Apesar do salto alto e do calçamento irregular, ela anda rápida, sem olhar para os lados. A sandália força um rebolado discreto. Volta e meia levanta a mão direita e arruma os cabelos, mero tique nervoso, uma insegurança talvez, pois eles não saem do lugar.


A luta maior é com a calça e a camiseta. Uma desce e outra sobe a cada passo dado, pondo à mostra, imagino, seu umbigo, que exibe um piercing. Ou não. Deve aparecer, imagino, uma parte do baixo ventre e das virilhas. Ela dá alguns passos e puxa pelas laterais a calça para cima, dando uma pequena mexida para encaixar a calça. Mais outros passos, agora é a vez de puxar a camiseta para baixo, também com as duas mãos nas laterais, cobrindo as alças do amor. Passos, puxar para cima, passos, puxar para baixo, e ela segue pela rua nessa batalha insana com sua vestimenta. 


Eu, de sapatos pretos, calça jeans, cinto e camisa, caminho sem arrumar nada, a roupa confortável não sai do lugar. Quem estaria certo? O que levaria uma pessoa a colocar roupas que não ficam no lugar? Mostrando o que não se quer? Ou não.


Nesta toada vamos nos aproximando da esquina. Nela um camelô vende perfumes num carrinho de mão. É véspera do Dia das Mães, elas merecem. Ao seu lado, outro tenta vender umas rosas meio murchas, poucas pétalas, que talvez interessem aos filhos retardatários. Ou retardados.


O florista a vê primeiro e alerta o perfumista. Eu vejo os dois cruzarem os braços e se prepararem para a chegada dela com um amplo e abobado sorriso.


Ela também os vê, imagino, pois desacelera o passo, tornando mais sensual sua caminhada. Puxa a calça o mais alto possível e estica a blusa com força, causando o encontro momentâneo das barras das duas peças e com isso, imagino, escondendo o umbigo e seus arredores.


Se, com esse gesto, desejou esconder seu corpo dos desejos masculinos, o efeito foi contrário, marcando e valorizando as curvas do seu corpo, espremido entre suas vestes. Os dois fazem "fiu-fiu" para ela, um a chama de gostosa, outro lhe oferece uma flor "para outra flor" (as cantadas masculinas são sempre as mesmas. Ainda funcionam?)


Ela caminha como se ignorasse a atenção deles, mas se contradiz ao arrumar os cabelos com as duas mãos, de uma forma bem coquete, sinal de satisfação com os galanteios masculinos.
Os assovios atraem a atenção do guarda de trânsito que, ao ver nossa andarilha, para os carros para ela atravessar. "Siga princesa", diz fazendo uma mesura. 


Imagino que ela lhe sorri. Atravessa a rua com calma, caprichando nos passinhos, esquecendo momentaneamente da calça e da camiseta, que, livres, seguem seus destinos opostos, revelando partes sensuais, para alegria dos motoristas ali retidos, que buzinam mais como agradecimento pelo que vêem do que por protesto.


Ela, enfim, acaba seu desfile e alcança a calçada oposta. Vira-se para trás e agradece ao guarda com um aceno. Ele sorri satisfeito e libera o tráfego antes que eu consiga atravessar. Os carros avançam céleres, recuo para a calçada, espremido entre os mascates, que ainda comentam sobre a sua formosura.


Qual a idade dela? Bonita, feia? Não sei, quando ela se virou meu olhar foi atraído para o faiscante umbigo que, belo, não tem idade!


José FRID

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