quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Funk no Metrô





Ela entra no vagão do Metrô e se acomoda defronte a um dos bancos laterais destinados a pessoas de condições especiais. Ela ergue o braço direito e apóia-se no corrimão elevado.

Como o carro está vazio, ela é visível para a maioria dos passageiros. Eles reparam que ela porta três bolsas. Três. Uma pequena está sob a axila daquele braço elevado e oscila livremente com o movimento do trem. A outra maior pende do ombro esquerdo em uma corrente dourada. Ela segura com a mão livre uma pasta retangular. Necessidade ou indecisão?

Como a maioria das brasileiras, ela é loira. Cabelos daqueles práticos, na altura dos ombros. Tem uma certa idade. Veste um pretinho básico, digamos um tubinho sem mangas e um pouco acima do joelho. Parece coisa de costureira, com um caimento que esconde as imperfeições corporais, mas sem ser folgado.

O trem para na estação com sua freada típica. Ela e suas bolsas oscilam procurando o equilíbrio possível. Uma senhora se oferece para segurar a(s) bolsa(s), mas a loira agradece dizendo que já vai descer.

A pasta é de jacquard creme com pequenos desenhos marrons, com contorno em couro (?) bege. Combina com os sapatos altos também beges. As duas bolsas são pretas, imitando couro de jacaré, com fechos, alça e corrente douradas. A pasta está estufada, deve ser de trabalho - necessidade. As duas bolsas estão magérrimas – indecisão?

O trem parte. Ela firme com seus volumes. Um celular ressoa alto no vagão. Toca um funk que mistura as palavras subindo, descendo, calcinha, bundinha, prazer e outras que não cabe aqui reproduzir. Os passageiros entreolham-se e fixam seus olhares na fonte do ruído. Ela dissimula olhando para um homem em pé a seu lado, que escuta seu mp3, totalmente alheio ao que passa à sua volta.

A música estridente soa novamente. O do mp3 olha feio para ela. Conflito entre sons? Todos se perguntam como ela fará para se segurar e atender ao maldito. Ela disfarça olhando fixo para a janela do Metrô, fingindo estar concentrada em resolver os problemas do mundo.

- Querida, quer que eu segure suas bolsas para você pegar o celular?

- Não precisa, obrigada.

- Vai ficar tocando?

- Não tem problema. Vão desistir.


A senhora dá de ombros. Alguns homens lançam olhares lascivos para a loira, talvez a imaginando num baile funk, descendo, descendo ...


O trem para novamente, mas o celular não sossega. Quem liga é insistente como o funk. Alguma coisa urgente ou um vendedor chato?


Dois rapazes entram no vagão exatamente na hora que o celular recomeça. Eles procuram a fonte da música.


- Tia, é o seu!


E começam a dançar no ritmo do funk ..."bundinha, bundinha, calcinha ..."


- "Cachorra!", gritam os dois.


Ela desiste. Põe a pasta entre as pernas e tenta tirar o celular da bolsinha sob a axila. O dito cujo se esquiva e ela usa as duas mãos para sacar o escandaloso aparelho.


O trem parte com o tranco habitual e ela desequilibra-se em sincronia com a letra da música:  "descendo, descendo ...."


Os homens, que não prestam, torcem para ela mostrar o restante da letra do funk:


"bundinha, calcinha ..."


José FRID


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