Agruras em uma casa de férias

Quarta-feira.

Retorno ao lar tarde da noite, depois de trabalhar o dia todo. A casa está deserta, todos na praia, inclusive os cachorros. Recolho os jornais acumulados, cheguei hoje mesmo do litoral, direto para o escritório.

Reparo que a casa está limpa, a faxineira deve ter trabalhado hoje ou ontem. Estou cansado, nada como um bom banho para relaxar. Espalho a roupa pela casa, amanhã recolho, ou depois de amanhã, estou só mesmo.

Ligo o chuveiro, deixo a água quente cair por um bom tempo. Relaxado, estico a mão para a saboneteira e nada. Abro os olhos e verifico que ela está vazia mas reluzente. A faxineira deve ter caprichado, à falta de outras coisas para fazer. Desligo o chuveiro e abro o box: a saboneteira da pia me sorri como se tivesse um dente de ouro!

Enrolo-me na toalha e saio à caça de sabonete pela casa. Não encontro nenhum. A faxineira deve ter recolhido todos os sabonetes ressecados pela falta de uso. Procuro no armário o estoque de sabonetes novos: nada também, eu mesmo coloquei todos na mala no início das férias!

Rodo a casa à procura de opções. No meu banheiro só encontro espuma de barba. O resto, inclusive os xampus, foram para o mar. Na cozinha acho detergente da marca de mil e umas utilidades. Será que serve também para tomar banho? Na área de serviço acho um pedaço de sabão em pedra na cor azul (anil?). Parece dar alergia só de olhar para ele. E sabão em pó. Como esfregá-lo no corpo? Estou perdido!

Ínsisto. No banheiro da minha filha acho um tubo com um restinho de xampu. Elsève citrus.cr, da L'Oréal. Chique, não? Como sou eu mesmo que estou pagando aposso-me da preciosidade. Tento decifrar os dizeres da embalagem para ver se macho pode usá-lo sem provocar a queda dos meus cabelos e dos meus pelos dispersos pelo corpo: shampoo energizante, para cabelos normais que ficam oleosos ao longo do dia. Os meus serão assim? Para mim são apenas cabelos e pelos.

O que seria esse tal de "citrus.cr"? Uma inovação tecnológica, segundo a embalagem. Um desenho tosco mostra o inovador "citrus.cr" como pequenas bolinhas ou rolinhos correndo ao longo dos fios. Seriam limões rolando? Não consigo concluir nada, a não ser que tem que ser mulher para acreditar nesses engodos.

Mas não tenho outra opção melhor. É ele ou o detergente de pia, o sabão em pó, a pedra azul. Amanhã passo no supermercado, na volta do trabalho, e compro tudo que está faltando.

O conteúdo do tubo é a conta certa para lavar os cabelos e o corpo. Faz muita espuma, os pelos devem estar felizes. Reparo contente que o ralo do box não ficou cabeludo. O tal do citrus.cr, seja lá o que for, é manso!

Quinta-feira.

Retorno ao lar tarde da noite, depois de trabalhar o dia todo. E de um chopinho com os amigos, que ninguém é de ferro. Um? Uns, afinal o dia foi quente e é necessário manter o corpo bem hidratado.

Casa deserta, ainda limpa, apenas algumas peças de roupas estrategicamente postas pela casa. Hora do banho e depois dormir, amanhã o dia vai ser longo, incluindo o engarrafamento de volta ao litoral.

Água relaxante pelo corpo. Estico a mão no vazio e lembro que esqueci de comprar os sabonetes e os xampus. Culpa daquele Sérgio que me desviou do bom caminho de volta ao lar com convite indecoroso para esvaziar uns copos de frígidas alemãs!

Agora Inês é morta. Toalha, nova ronda pela casa. Dessa vez nem resto de xampu encontro. As opções são o detergente sabor maçã, o sabão em pó com limão e a pedra anil. Lembro que várias mulheres tiveram alergia com detergentes e sabão em pó. A patroa mesmo só utiliza-os com luvas de borracha. Passar detergente nos cabelos? Queda na certa! Esfregar o pó no corpo ou tomar banho de balde? Balde? Tô fora!

E o sabão em pedra? O que estaria fazendo ali no tanque? Coisas da faxineira? O brilho das saboneteiras? Pego a peça. Duro como pedra. Perfume discreto, não lembra nenhuma fruta. Áspero. Talvez sirva para fazer um peeling. Será a minha opção de hoje?

Lembro de ter visto imagens de crianças tomando banhos de bacia, as mães esfregando sabões em pedra nelas. Seriam azuis? Minhas lembranças não ajudam, estão em preto e branco. Talvez fossem marrons, beges, amarelos, rosas, coisas de pobre. O meu é principesco, sangue azul!

Sigo vitorioso para o banheiro com a minha pedra preciosa. Água aberta, tento fazer espuma, mas é tão difícil como tirar leite de pedra. O negócio é esfregá-lo na pele, Rolling Stones. O contato com a pele não é ruim, torço para a reação alérgica só ocorrer de manhã, tempo de ir para o hospital. Banho concluído, o ralo continua careca, antes ele do que eu!

Acordo assustado: pesadelo! Sou um dos smurfs, o cruel Gargamel quase consegue me pegar. Os smurfs estão sempre de gorro, serão carecas? Passo a mão nos cabelos, estão todos lá, respiro fundo, bebo um gole d'água e durmo em Pandora de Avatar!

José FRID