terça-feira, 23 de março de 2010

Um tipão!



Rick espreguiçou-se, mas não se levantou: estava desempregado. A agenda aberta na página marcada por várias contas mostra: "9 h – entrevista na Lengs – Telemarketing". Ativo ou passivo? Na verdade não importava muito, pois já estava sem condições de escolher: muitas contas atrasadas. Vale refeição também seria bom, afastaria-o da mesa da futura sogra e dos olhares atravessados do sogrão.

Seu sonho era ser passivo noturno, mexendo com Internet ou celular. No início do namoro sua noiva ficou horrorizada com isso: pensou que ele era um veado tarado que se masturbava diante do computador! Explicou-lhe a tempo que o passivo era o que socorria os clientes com problemas. Ativo era o do mal, o vendedor.

Nove horas no centro. Aquilo terminaria antes do meio-dia. Daria para filar um almoço da noiva. Banho e café tomados, escolheu a camiseta rosa que ela tinha acabado de presenteá-lo e a calça jeans justa que ela tanto gostava. Olhou-se no espelho antes de sair. Precisava perder a barriguinha. Culpa da comida da sogra?

A sala de espera está cheia, umas trinta mulheres, mais ou menos, mas só ele de homem. Será que os outros estão empregados? A atendente diz que a vaga é para ativo, mas soft, não precisaria insistir com os clientes. Contratação imediata. "Vale refeição?" "Todos os benefícios. São vinte vagas". Ele terá sorte?

Elas olham para ele, cobiçosas: "o emprego e um homem, dia ganho". Sem jeito, ajeita o cabelo exibindo a reluzente aliança. Algumas desistem de olhá-lo, outras sorriem para ele como pensassem: "esse homem tem qualidades, até noivo está!"

Ele é salvo do constrangimento pela chegada dos entrevistadores. Os candidatos são conduzidos para outra sala. Algumas moçoilas aproveitam para esbarrar nele, que fica tonto com tantos perfumes diferentes. Esquiva-se delas e senta-se na última fila de carteiras, a salvo do assédio das desesperadas!

De repente aparece outro candidato masculino, também vestido de camiseta e jeans apertados. Ele para na porta sem saber para onde ir. As candidatas ferem-no com olhares cobiçosos. O entrevistador manda-o sentar-se. Ele ignora os olhares e caminha decidido pela sala. Senta-se exatamente ao lado de Rick e fala:

- Tô morta! Que correria!

Rick finge interesse nas explicações do selecionador. O outro insiste:

- Desculpe a falta de educação. Sou o Carlinhos. Tô precisado dessa vaga!

Rick dá um sorriso amarelo e tenta prestar atenção nas instruções para a prova. O outro fica examinando-o de cima a baixo. Rick, sem coragem de encarar o outro, tem a impressão que o cara lambe os beiços. O entrevistador pede para os candidatos pegarem as provas. Quando Rick se levanta, Carlinhos diz:

- Pega a minha também? Estou tão cansado!

Rick caminha pela sala, arrependido de ter colocado a calça justa que a noiva adora. Aposta que o outro está olhando para sua bunda. Ele pega as provas e retorna evitando qualquer contato visual. Entrega a prova para o outro, que agradece:

- Brigadão, fofo. Sabe que você é um tipão delicioso?

Rick fica perturbado. Dá um tapão na orelha do cara e perde a vaga? Não, tem contas para pagar. Respira fundo e olha para frente. Espera ter mais sorte na prova. Foi um azar enorme ter um gay ao lado, com tanta mulher na sala.

Rick acaba rápido a prova. O entrevistador pede para ele aguardar a correção e o resultado na sala de entrada. Ele refugia-se no banheiro para deficientes do corredor, onde o outro não pode entrar. Se não fosse seu estado de dureza iria embora agora. Após um tempo incerto no silêncio do sanitário, seu celular toca.

- Senhor Rick? É da Lengs. Onde você está?
- No banheiro do corredor.
- Está tudo bem? Você foi selecionado para fazer a prova prática. Já vai começar.

Ele é o último a chegar. A sala tem menos de vinte pessoas. Ele fica animado: será contratado!! É só não fazer uma besteira grande. Ele escolhe a mesma cadeira, no fundão, para dar sorte. Carlinhos está longe, sozinho junto à janela.

O supervisor explica que os candidatos serão agrupados para o teste prático. Um será o vendedor, o outro o cliente. Depois trocam de posição. Pede para virarem a cadeira para a pessoa que está ao lado direito, começando pela esquerda da sala. Quem sobrar fará par com a pessoa de outra fila. Carlinhos sobra na sua fila. Ele olha para trás a procura de um par. Pisca o olho para Rick e se dirige para o fundo da sala. Os dois ficam frente à frente. Próximos. Indesejavelmente próximos para Rick. Um entrevistador vem acompanhar o teste dos dois. Ele define que Carlinhos começará como o cliente e entrega as fichas com os dizeres do teste.

Rick, meio sem jeito, olha para Carlinhos e começa a ler a ficha oferecendo o produto. Carlinhos olha embevecido para o outro, estica as pernas e diz:

- Nem precisa insistir. De um tipão desses, com essa voz, compro tudo!!!

Rick não pode evitar o tapão na cara do outro com a mão da aliança reluzente.

Mais tarde, entre carnes e saladas:

- Conseguiu a vaga, meu bem?
- Não. Não me interessou. Você sabe que gosto de ser passivo!


4 comentários:

Anônimo disse...

Olá, meu caro.

Deixa-me entender. Um dia manda msg de caçador, quer dizer, observador, agora
uma de ativo...passivo...bem, fico imaginando, seguindo-se a linha, qual será a
temática da próxima.

Abração e sonhe com os anjos que não terá problema, pois, já que dizem que são
assexuados.

Z.

Metamorfose Ambulante disse...

A vida é errática!!

FRID

Anônimo disse...

Muito bom mesmo, meu primo! Afinal, tu gosta desse tema...(brincadeira)

Somente a título de ajuda, creio que em “a calça justa da noiva adora”, você quis escrever “a calça justa que a noiva adora”. Certo?

Abraços,

H.

Metamorfose Ambulante disse...

Corretíssimo!! Vou corrigir no Blog!

É que a gente escreve e depois vai cortando, cortando, e aí escapa alguma coisa.

Um abração!!


FRID