- Cadê meu filho?!?!, grita a mãe desesperada, sem coragem de molhar os pés na água gelada.
- Que filho, responde o pai, zonzo com o tombo da onda, desorientado pelo alto grau de miopia, preocupado em escapar da onda que se arma às suas costas.
- Meu filho!!!, berra a mãe desnorteada, batendo com as mãos na cabeça.
Feriadão. Pais exaustos da dura rotina profissional, premiam-se com viagem à paradisíaca Florianópolis. O plano é descansar ao sol naqueles quatro dias. Hotel à beiramar, toda mordomia, sem precisar fazer nada.
Manhã de sol, lauto café da manhã. Só caminhar alguns metros e desabar nas espreguiçadeiras do hotel, sob convenientes guarda-sóis, com a água do mar vindo lamber os pés cansados. Abrir um livro, esperar o garçom com a caipirinha, a cerveja, depois os camarões. O paraíso é aqui, não na outra esquina.
- Você entrou no mar com meu filho!! O tubarão!!
- Cadê ele, pergunta o pai correndo da onda.
- Tava com você, responde a mãe apopléctica.
Manhã de sol, lá vão os três de mãos dadas. Mal os pés tocam a areia, o filho pergunta como vai brincar sem seu peixe vermelho de praia, com peneiras, forminhas, pás e restelos. Os pais interrogam-se: de quem foi a idéia de não trazer o brinquedo, um trambolho colorido, mas companhia fiel nas viagens ao Guarujá?
- O peixe não cabia no avião, tenta explicar o pai
- Ele não cabe naquela gavetinha no alto do avião, completa a mãe
- Cabe sim. O homem feio botou um malão lá", responde o filho.
- Vamos brincar na água, olha lá a ondinha, o pai tenta desviar o assunto.
- Queio meu peixe, responde o filho já emburrado.
- Veja, olha quantas conchinhas, vamos pegar para a coleção da mamãe.
- Não tem onde botar as conchinhas, responde o filho armando choro.
- Vamos jogar bola, diz o pai animado.
- A boia não veio, chora o menino.
- Mamãe vai comprar outro peixe, de noite, no shopping.
- Quelo agora!
Os pais entreolham-se novamente. Alguém vai ter que ir para o sacrifício.
- Você não quer nadar na piscina?
- A boinha não veio.
- Papai vai com você!
O menino abre grande sorriso. Piscina com o pai é sonho. Não precisa de peixe, bola ou bóia. Só o papai para segurar, mergulhar, incentivar.
A mãe dá tchauzinho para os dois e parte célere para as tão sonhadas espreguiçadeiras, onde permanecerá até que Netuno saia do mar ou que o sol se ponha. O novo vestido amarelo exige corpo bronzeado.
- Meu filho!!!! Você entrou no mar com meu filho!!
- E eu que sei, responde o pai correndo de outra onda.
- Tem que saber, seu irresponsável!!!
Tarde de sol, a família reencontra-se para o ajantarado. Pai morto pela filial experiência aquática. O menino, todo enrugado, olhos vermelhos, cansado, faminto, mas feliz. A mãe tranquila, na cor dos olhos do filho. Banho, jantar, um pouco de tevê (desenhos animados) e logo a família ressona unida.
- Eu? O pai estanca tentando raciocinar.
- No colo!!
- No colo???, responde o pai, bem na hora que a onda lhe pega, mata e come.
Manhã de sol. Lauto café, roupa trocada, praia, areia. "Cadê o meu peixinho vermeio?", pergunta a criança. O pai olha para a mãe e aponta a piscina:
- Filho, mamãe vai na piscina com você, diz o pai despedindo-se dos dois.
- Vamo, diz o garoto puxando a mão da mãe.
- Filho, você não quer brincar na praia? Aqui tem ondas, peixinhos, conchinhas ...
- Tubalão?
Qual será a resposta certa para levá-lo à praia? Terá medo de tubarão ou é algum tubarão colorido de desenho animado?
- Tem tutubalão, mamãe?
Tutubarão? Desenho animado!
- Tem sim, filho, quer ver?
- Quelo, quelo, diz o menino saltitando em volta da mãe.
- Vamos lá com o papai que ele mostra para você.
- Tutubalão!
Nos segundos, minutos eternos que o pai passa submerso ao sabor das ondas, toda sua vida passa rápida diante de seus olhos até a cena principal: ele e o filho abraçados furando a onda. Corte rápido para a cena seguinte: ele saindo da onda tonto, cambaleante, tentando identificar no clarão onde está a areia, porto seguro.
O pai ajusta o guarda-sol, ajeita o boné sobre os óculos. Abre o livro, Pedro Paulo à procura de Adriana pelas ruas de São Paulo. Hoje ele quer um programa seco.
- Tutubalão, tutubalão, a criança pula sobre o pai, espalhando livro, óculos e boné.
- Querido, ele quer ir no mar com você.
- Comigo? Hoje não era seu dia?
- Ele quer ver o tubarão.
- Vamo, papai, o tutubalão!
- Mamãe leva você.
- Meu bem, eu não sei nadar. Olha o tamanho da onda!
- Só nado em piscina.
- Tutubalão, papai!
- Esqueceu que conheci você no Guarujá? Garoto de praia, menino do Rio ...
- Tutubalão, vamo pegá!
- Filho, a onda está forte e a água fria. Melhor você ir na piscina com a mamãe.
- Lá não tem tutubalão!
A onde cospe o pai aos pés da mãe. Ela puxa-lhe os cabelos, levantando sua cabeça e pergunta irada:
- Cadê meu filho?!?!?!
O pai vomita água com areia, olhos esbugalhados:
- O mar levou!
Ao longe vê-se uma criança caminhando de mãos dadas com dois surfistas e cantando:
- Tutubalão!
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3 comentários:
ACHEI !!!!!!!!!!!
G.
Frid.
A cronica está ótima.
Vou mostrar para a R.
Vamos aos detalhes:
Ele tinha completado 1 ano e começado a andar. Dia seguinte rumamos para Santa Catarina (na sequencia: Camboriu e Florianópolis).
Hospedado em Camboriu fomos pegar praia em Piçarras (proxima a Camboriu). O mar muito forte. Entrei com com o G. nos braços. A R. na praia pegando um pouco de sol. Derrepente: G. sumiu (escorregou do meu abraço). Espuma branca da onda que quebrou. Não achava nada. Pessoas próximas ajudando a procurá-lo. Alguns segundos (parecendo horas) e surge movimentos no meio da espuma branca. Era ele meio assustado.
Sai da água com ele nos braços e levei o maior "ralo" pela irresponsabilidade.
Abraços
M.
Muito bom!
A.
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