quinta-feira, 5 de maio de 2011

No mercado da carne



Hora do almoço, decidi ir até a Santa Ifigênia comprar umas necessidades eletrônicas. Subi a São João e entrei no Largo do Paissandu. Pretendia contornar a praça, pegar a rua Antonio de Godói até a igreja de Santa Ifigênia. Ao por os pés na calçada da praça, deparei-me com um aglomerado ruidoso de mendigos aboletados no canteiro gramado. Eles, seus apetrechos e cachorros. Para evitá-los, decidi cruzar o largo e pegar a rua pelo outro lado. Entrei na primeira alameda e segui em direção à igreja de Nossa Senhora do Rosário. Contornei o templo e peguei o caminho de pedra portuguesa que desemboca bem na Rio Branco.


Com minha pressa nem percebi que tinha ido pelo mal caminho. A alameda estava lotada de mulheres monetariamente fogosas à procura de clientes com algum tostão no bolso. A minha única saída seria retornar e enfrentar os desordeiros, o que me atrasaria. Além disso, elas provavelmente cheirariam bem melhor que eles e seus cães. Apressado, resolvi seguir em frente sem dar confiança para elas, passando empertigado, pisando duro, olhando para frente.


Entretanto, eu era a caça e elas não poderiam desperdiçar a oportunidade, tinham família para sustentar. Assim, ao me virem, elas agiram como hienas, cercando-me e insistindo com seus favores sexuais. Em resumo: mulheres em trajes sumários, dos dois lados do caminho, bulindo comigo. Recebi assobios, apupos, fui agraciado com vocábulos como "gostoso", "querido", "amor", "lindo", "tesão", "fofo", etc. Senti-me quase uma Geisy Arruda na Uniban! Se eu não tivesse cabeça feita, acreditaria nos elogios e apupos, e esqueceria que o interesse delas era apenas no que trazia no bolso da calça, e não dentro dela. (Pensando bem, até que alguns daqueles elogios são merecidos, não?)


Eu estava parecendo uma mulher bonita passando na porta de escola, no horário de entrada ou saída dos adolescentes. Com o rabo do olho (coisa difícil para meus seis graus de miopia) registrei duas morenas, quatro loiras, uma ruiva, outra meio índia e uma que mais parecia ser um. Três visivelmente acima do peso, duas magrelas, duas falsas magras, uma gostosa e outra muito forte, aquela que parece ser um. Nessa rápida pesquisa antropológica constatei, também, os trajes profissionais das meninas: shortinho vermelho, miniblusa e havaiana; minissaia amarela, camiseta decotada e sandália de salto alto; mas a maioria estava com o uniforme predileto da região – calça comprida branca, meio transparente e agarrada ao corpo, com "top" justíssimo e sandália de salto alto e fino. Afinal, elas têm pouco tempo para encantar o cliente e fazê-lo decidir pelo programa. Naquele horário, significa forçar o cidadão a abrir mão do prato feito pela transa rápida.


Com minha reação indiferente aos seus elogios e aos corpos expostos, as moças viram logo que eu não desistiria do almoço e foram dar atenção a outros passantes menos famintos ou mais carentes de outros prazeres.


Saí pensando se algum homem realmente acreditaria no elogio delas e sucumbiria aos seus apelos, ou os agrados eram um chantili no petit gateau para clientes já predispostos à transação comercial?


Compra feita, retornei pelo Viaduto de Santa Ifigênia para evitar as fogosas moçoilas e os mendigos do largo. Vim pensando se as mulheres acreditariam nas cantadas recebidas nas ruas, palavras "bonitas" proferidas pelos homens que passam à pé ou de automóvel, assovios entusiasmados,  olhadelas discretas ou não, etc., ou elas tinham consciência que aquilo era mero comportamento atávico masculino.  Gostar, sei que gostam, por instantes sentem-se rainhas da cocada preta, têm os egos inflados. A indiferença masculina é que mata.


No escritório de um amigo existe um macaco de brinquedo que assobia um "fiu-fiu" masculino quando alguém passa por ele. O objetivo é alertar aos que trabalham na sala da chegada de alguém. As mulheres, quando entram na sala pela primeira vez, acreditam no macaco, ou seja, têm a sensação de estarem sendo paqueradas. Passam a mão nos cabelos, emprumam o corpo, sorriem, até mexem os quadris. Mulheres .... Depois que descobrem que é um brinquedo, muitas ficam decepcionadas, pois era o primeiro "fiu-fiu" desde muito tempo. Outras não ligam, aquele assovio animal faz um bem danado!!


A maioria dos homens nem dão pelota para o animal, mas, de vez, em quando, um deles se entrega, sorrindo à procura do galanteador. Homens ... homens?


Cheguei ao Largo de São Bento ainda pensando sobre a credulidade feminina. Uma mulher interrompeu meus devaneios perguntando as horas. Peguei o celular e disse as horas. Ela agradeceu e falou que o aparelho era bonito. Retruquei que ele não era lá essas coisas (seria assalto?). 


- Tem GPS?
- Não.
- Pena.
- Por que?
- Preciso achar uma rua ..
- Talvez eu conheça.


Ela tirou do bolso da calça branca justíssima um cartão amarfanhado contendo o nome e o endereço de um hotel ali no centro. Sacou outro cartão mais novo do "tomara que caia" vermelho. Rua dos Timbiras.


- Está perto. É só você cruzar o viaduto e seguir em frente, pela rua Santa Ifigênia, é uma travessa logo depois da Ipiranga, a segunda ou terceira rua, talvez.
- Ipiranga?
- Uma avenida larga. Só seguir em frente.
- Você não quer ir comigo?
- Acabei de vir de lá.
- Do hotel?
- Da Santa Ifigênia.
- Você tem certeza que não quer ir comigo, bonitão?


Não adiantou eu desviar da praça, elas também estavam por ali.  Ela mostrou o corpo com a mão. Sucumbi?


José FRID

8 comentários:

Anônimo disse...

shaushaushausush que nojo! eu conheço esse macaco! legal ele!

F.

Anônimo disse...

Frid, bela crônica! Abs.
L.A.I

Anônimo disse...

Posso quase apostar que não (sucumbiu)

Bete

Metamorfose Ambulante disse...

Não acredita no poder de sedução da moça?? Ou põe a mão no fogo por mim??? Ou acha que eu estava sem dinheiro naquela hora?
Frid

Anônimo disse...

Com certeza, não é a segunda opção. Mão no fogo, nem por mim.
Em relação ao dinheiro, pelo que se ouve, o serviço não é nada caro. É, dinheiro
você deveria ter.
Mas, como você não exaltou as qualidades da moça, talvez tenha sido isso que me
deixou com a impressão de que você não sucumbiu.
Talvez se fosse tivesse sido mais entusiasmado no seu relato, assim como foi com a
Laura, a cantora, ai sim, eu não quase apostaria.

Metamorfose Ambulante disse...

E a fidelidade à minha Laura, não conta??

Anônimo disse...

...Bem, veja bem, não digo q sou "hermética" a tds os pretensos elogios, mas
alguns, só não deixam de incomodar os ouvidos, por ser um barulho, e nada além
disso. O pior são os q vem com os "adjetivos" preferidos. Estes, então, são uns
horrores.
Desqualificado mesmo foram uns...vá lá...trabalhadores de uma das oficinas
mecânicas próx. do trabalho que,´enqto eu passava, já lá do fundo do local,
começaram a cantar a tal da música do.. - não me lembro o nome do grupo - "Vc
não vale nda, mas eu gosto de vc...".
Olha, vindo de um metrô lotado e já sabendo q o dia de trabalho não seria nda
tranquilo, não foi nem um pouco alentador.

É...só podia ser humano.

Buenas noches, señorino.

Z...

Metamorfose Ambulante disse...

Esses homens ....

Mas em determinadas horas, um elogio, mesmo falso ou com segundas intenções,
faz um bem danado!

Tenha uma ótima quinta, plena de elogios sinceros!


Frid