quarta-feira, 28 de março de 2012

Castelo Branco e eu - como o pensamento voa quando começo a correr!





Outono, primeiro domingo, mais ou menos meio dia, lá estou a correr no Ibirapuera, após as chuvas de verão do sábado. Percorro a trilha externa de terra batida, ou melhor, de lama fresca. O caminho já requer atenção em função dos buracos, raízes, galhos, frutas, etc. – qualquer distração lá se vai o tornozelo e seus ligamentos – mas a lama exige máxima atenção para não se escorregar. Conclusão: corro de cabeça baixa, sem poder inspecionar as suadas corredoras.




Como cantou Lupiscínio, como é que a gente voa quando começa a pensar...,  essa dificuldade trás à mente o mausoléu do Castelo Branco em Fortaleza. O arquiteto especificou um piso feito com dormentes usados sobre pedriscos para forçar uma reverência ao ex-presidente: você tem que olhar para o chão para não cair ou torcer o pé, deixando de encarar o mausoléu. Ninguém chega com o nariz em pé, com empáfia diante do ex-presidente. Todos de cabeça baixa. No Ibirapuera, corro reverenciando as frondosas árvores, as flores dos abricós-de-macaco, o sol outonal, os sabiás, as formigas carregando pequeninos pedaços de flores amarelas ... e até meus pés, companheiros de muitos quilômetros.




Quando o Castelo Branco assumiu, eu era muito pequeno e queria ser leiteiro. Adorava vê-lo trabalhar, separando os litros cheios dos vazios, empilhando os engradados metálicos e seus litros de vidro na carroça azul. Quando vi o presidente na televisão, na parada de sete de setembro, passando em revista a tropa em trajes de gala, mudei de profissão: resolvi ser presidente, ou seja, em vez de alinhar e empilhar litros de leite, colocar soldados em ordem!

Corro e meu pensamento voa agora para os tempos de escola, no ginásio. Prova de redação, tirei a maior nota. O professor disse que eu merecia um prêmio: "Discursos de Castelo Branco, volume III". Quem? O mestre teve que explicar para a garotada que era um antigo presidente, o líder da revolução, guia do povo brasileiro (não preciso dizer que a gente estava em plena ditadura militar), sábio das letras pátrias, etc. Olhei para o grosso volume: seria melhor que Monteiro Lobato, "A Ilha do tesouro", "Os três mosqueteiros", "O Conde de Monte Cristo", "Da Terra à Lua"? Tentei ler algumas páginas, decepção total! Não consegui trocar com meus colegas de turma. Acabei presenteando papai, que gostou do mimo e repetiu as empolgadas palavras do mestre, mas acho que nunca o leu. Fiquei tão traumatizado com o presente que, nas outras provas de redação, eu esquecia de propósito um acento ou outro para garantir que não seria premiado outra vez!




Esse "presente"  trouxe a lembrança de um natal no início dos anos noventa. Para animar a festa do departamento, a secretária organizou o tradicional "amigo secreto" e um "inimigo oculto" com temática vexatória obrigatória. Encontrei numa loja de saldos da Praça dos Correios o LP "Altemar Dutra – coletânea com as melhores músicas, vol.II". O presente teve o efeito pretendido: o felizardo odiou tanto que abandonou o mimo num canto do restaurante.  Acabei levando o disco para casa para representeá-lo ao seu dono. Entretanto, o LP foi parar no Rio junto com os outros presentes de natal. Como eu perco o amigo, mas não perco a piada, embrulhei o bolachão e dei-o de presente para meu pai. O surpreendido fui eu: ele não só adorou o presente, desprezando a camisa que tinha custado uma nota preta (pai merece!), como trouxe para a gente escutar o primeiro volume do Altemar!! Aquele natal foi duro, um revezamento de Altemar Dutra (I e II) na vitrola e Roberto Carlos no CD!




Voltando ao Castelo Branco lá no colégio, percebi que o livro não tinha realmente nenhum valor para mim quando o Conrado não quis trocá-lo por uma Playboy já muito folheada, nem o Guilherme por um "catecismo" do Carlos Zéfiro sem algumas páginas iniciais.




Hoje, um menino conseguiria trocar os discursos do Sarney por uma Sexy usada?




Corre, Frid, corre ...




José FRID




Leia aqui outra crônica de quando o pensamento voa ...



7 comentários:

Anônimo disse...

Gostei! E muito! Mas acho melhor você correr e rapidinho!
Sua crônica me fez lembrar uma hitorieta do Almino quando criança: um dia viu a foto de Presidente Getúlio Vargas e disse: Um dia eu vou ser como ele!
Almino me contou isso e deu uma gargalhada.
Kisses, corre Frid! Corre!
Fátima

Metamorfose Ambulante disse...

Um dia eu e o Almino chegamos lá!!!

Anônimo disse...

Frid, adorei.

Muito boa!

Néli

Anônimo disse...

Gostei muito.

Margarida

Anônimo disse...

Ó Zézinho, c para de falar mal da minha MTO INTERESSANTE família. Tio Castelo era um fofo que fez papai casar com mamãe. Logo sem ele não estaria aqui. E vc não me reconheceria. C para de ver suada e vai por seus acentos no lugar.

Neryna

Metamorfose Ambulante disse...

Eu não falei mal do tio Castelo!! Só escrevi que não dava para ler seus discursos, como não dá para ler de político nenhum!! Ainda mais que eu tinha tenros 11 anos. Imaginar o Castelo Branco como cupido dos seus pais é hilário, ele com aquele corpinho atarracado, asinhas, flechas ....

O estímulo da corrida é exatamente as suadas! Se parar de olhar, paro de correr!

Os acentos já estão todos no lugar certo!

Grande abraço!

Anônimo disse...

Titio era um fofo. Os discursos dele vou ver c te arranjo um a cópia. kkkkk

Neryna