quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Como caçar

A escuridão vinha caindo quando ele voltou para casa, e, com ela uma fina chuva tardia de novembro. Ele viu as labaredas da lareira tremendo na janela da sala, uma luz balançando na massa escura das instalações da granja. E pensou como seria bom se tivesse aquela propriedade só para ele. De repente veio-lhe a ideia: por que não se casar com March? Ele parou no meio do campo por alguns momentos, pensando, o coelho morto pendente da mão A mente dele esperou, deslumbrada, como se estivesse calculando, e ele sorriu curiosamente para si próprio, aprovando. Por que não? Por que não? Era uma boa ideia. E se aquilo fosse ridículo? Que importância tinha? Qual era o problema por ela ser mais velha do que ele? Não tinha nenhuma importância. Quando pensou nos olhos escuros, arregalados, vulneráveis da moça, ele sorriu sutilmente. Ele era mais velho do que ela, na verdade. Ele estava acima dela.

Ele mal admitiu a intenção ainda que para si próprio. Era um segredo para ser guardado até del mesmo. Por enquanto tudo estava anda muito vago.Era preciso ver que rumo as coisas iam tomar Isso, era preciso ver que rumo as coisas iam tomar.Se ele não tivesse cuidado, ela poderia até escarnecer da ideia.Matreiro e sutil como era, ele sabia que se chegasse a ela e dissesse francamente: "March, gosto de você e quero que se case comigo", a resposta seria na certa: "Dê o fora. Não quero saber dessas bobagens." Essa era a atitude dela com os homens e suas "bobagens". Se ele não tivesse cuidado, ela lançaria contra ele a sua zombaria selvagem, o expulsaria da granja e da mente dela para sempre. Era preciso ir devagar. Era preciso apanhá-la como se apanha um veado ou uma galinhola no mato. Ninguém entra no mato e diz ao veado: "Tenha a bondade de cair com o meu tiro." Não, é uma batalha lenta e sutil. Quando se quer mesmo derrubar um veado, reúne-se as forças, encolhe-se por dentro, e se avança secretamente para a montanha antes do amanhecer. O que importa não é tanto o que se faz na caçada, mas como a pessoa se sente. É preciso ser delicado e esperto, e estar fatalmente pronto. No fim, fica sendo como um destino.O destino do caçador supera e determina o destino da caça.Primeiro, mesmo antes de o caçador avistar a caça, há uma estranha batalha, um hipnotismo. A alma do caçador foi colar-se à alma da caça, mesmo antes de ser avistada. E a alma da caça se esforçava par escapar. Mesmo antes dela pressentir o cheiro do caçador, essa batalha se trava. É uma batalha sutil e profunda entre as vontades, travada no invisível. E ela só termina quando a bala parte. Quando o caçador já está pronto e a caça entra no campo de visão, o caçador não aponta e dispara, como faz quando está atirando numa garrafa. É a vontade do caçador que leva a bala ao coração da caça. O caminho da bala é uma mera projeção do destino do caçador no destino da caça. Isso acontece como um desejo de superar, um ato supremo de volição; não é um golpe de esperteza.

Ele era um caçador no íntimo, não era um lavrador, nem um soldado inscrito em um regimento. E era como jovem caçador que ele queria derrubar March como uma caça, fazer dela sua esposa. Por isso, ele reuniu sutilmente suas forças, aparentemente se retirando para uma espécie de invisibilidade.Ele não sabia bem como agir. E March era desconfiada como uma lebre. Assim ele continuou no papel aparente de um jovem desconhecido e simpático, que ia passar duas semanas em uma granja.

D.H.Lawrence in Apenas uma mulher e outras histórias, BestBolso, 2015, págs.29/31 

(tradução de José Veiga e Maria Célia Castro)

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