domingo, 27 de março de 2022

Amores

...Eu o amava! Como o amava! Talvez não importa tanto assim o que se ama nesse mundo. Mas é preciso amar algo. Claro que sempre tive minha casa e meu jardim, embora, por alguma razão, nunca foram o suficiente. As flores reagem maravilhosamente, porém não têm empatia. Então, amei a estrela da tarde. Parece tolice? Costumava ir ao quintal depois do pôr do sol e esperar até que ele começasse a brilhar acima do eucalipto sombrio. Costumava sussurrar: "Aí está você, meu querido". E nesse exato momento parecia brilhar só para mim. Parecia entender essa... algo semelhante à nostalgia, mas que não é nostalgia. Ou lamento - tem mais a ver com lamento. Mas lamentar o quê? Tenho muito mais a agradecer.

... Mas, quando ele entrou na minha vida, esqueci da estrela da tarde; não precisava mais dela. Foi estranho. Quando o chinês apareceu à porta vendendo pássaros e levantou-o na sua gaiola minúscula, em vez de revoar, revoar, como os pobrezinhos dos pintassilgos, ele soltou um piozinho fraco e eu me peguei dizendo, como já havia dito à estrela acima do eucalipto: "Aí está você, meu querido". A partir desse momento, ele era meu.


Katherine Mansfield in A mosca e outras histórias, Lafonte, tradução de Otavio Albano, pág. 62.

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