Passei três dias nas favelas do Cantagalo e do Pavão-Pavãozinho, em Ipanema e Copacabana, acompanhando as filmagens do novo longa-metragem de Breno Silveira, diretor de "2 filhos de Francisco".
Logo que cheguei, tive que tirar a camisa e trocar por outra — uma branca com o nome do filme "Era uma vez..." em vermelho. O uso da vestimenta é obrigatório para circular pelas vielas do morro e evitar problemas com a polícia e o tráfico.
Comecei a freqüentar o Cantagalo quando era garoto. Lá em cima funcionava, por incrível que pareça, um hotel de luxo, o Panorama Palace. Como eu colecionava carteiras de cigarros, subia o morro atrás dos maços jogados fora pelos estrangeiros.
Era uma festa. Subíamos sem medo, sem problemas e sem pedir autorização a ninguém. De lá para cá, o hotel virou Ciep - o Brizolão -, e o Cantagalo e o Pavão-Pavãozinho se espalharam para cima e para os lados.
A visita rendeu vários momentos curiosos:
- Levei um banho quando andava por uma viela e passei por baixo de uma caixa d'água. Simplesmente abriram a torneira sem aviso. Em outro momento, fui atropelado por um garoto de bibicleta. É preciso olhar para baixo, por conta dos obstáculos, e para cima. E, na hora de cruzar com os traficantes, desviar o olhar e fingir naturalidade.
- Na favela, o apelido é uma forma comum de tratamento: tem a Maria das Horas, o Zé Porcão, o Paulinho da Quadra, o Zé do Lixo.
- Num barraco, um papel anuncia o pirata do Pirata: "Chegou!!! Testo na hora. DVD Piratas do caribe, dublado."
- Perdi o fôlego ao visitar o Vietnã (ou Caranguejo), apelido do ponto mais alto e mais pobre do morro — seja pelo esforço em subir, seja pela vista deslumbrante que abarca de Niterói ao Dois Irmãos. São quase 700 degraus até o topo. À medida que se sobe, os barracos de alvenaria vão dando lugar a moradias de madeira e pau-a-pique. É como se fosse uma roça encravada no alto de Ipanema e de Copacabana. "Acordo de manhã e tenho a praia à minha frente", diz Matu, presidente da Associação dos Moradores do Pavão-Pavãozinho. "No revéillon, ninguém precisa descer, fica todo mundo vendo daqui." De fato, difícil imaginar cenário melhor para ver os fogos. É tão alto que os prédios de Copacabana tornam-se mínimos.
- As lajes pulsam aos domingos. Crianças mergulham nas caixas d''água, adultos fazem churrascos, grupos ouvem música, garotos soltam pipas. É como se fosse a praia do morro.
- Impressiona a desenvoltura com que as crianças circulam sozinhas pelo local. Algumas delas brincavam soltas em cima de uma laje, que se dependurava sobre um desfiladeiro. Outras corriam em meio às vielas íngremes.
- A vista é espetacular, mas corre o risco de sumir de um dia para o outro. Ela pode ser interrompida em pouco tempo, se o vizinho da frente resolver construir mais um andar. Ao lado das filmagens, havia uma laje. Agora, dias depois, já começam a ser erguidas novas fundações. Os tijolos estão sendo postos e, daqui a pouco, surgirá em frente uma nova casa.
E assim foi - três dias cheios de novidades, mesmo para olhos acostumados à diversidade.
O OUTRO LADO DA MESMA MOEDA:
Violência faz Barão da Torre desvalorizar em até 70% (Por Breno Costa e Felipe Murta – Jornal do Brasil)
Localizada nas imediações dos morros do Cantagalo e do Pavão-Pavãozinho, a região apresenta preços de venda de apartamentos até um terço mais baixos que os valores médios praticados no bairro. Os preços são semelhantes aos praticados, em média, em bairros como Ilha do Governador, Tijuca e Rio Comprido.
Separados por uma distância de três quarteirões, enquanto um apartamento de três quartos na Vieira Souto custa quase R$ 1 milhão, um imóvel do mesmo tipo na esquina da Rua Barão da Torre com a Teixeira de Melo, próximo ao acesso ao Morro do Cantagalo, é oferecido por R$ 270 mil por uma imobiliária. A diferença, nada modesta, é de mais de 70%.
O preço médio de um apartamento de três quartos em Ipanema é de R$ 680 mil, segundo dados do Sindicato das Empresas de Compra e Venda de Imóveis (Secovi-Rio). Os imóveis localizados em ruas como Jangadeiros, Teixeira de Melo e Farme de Amoedo são negociados entre R$ 250 mil e R$ 280 mil.
Para o vice-presidente da Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-Rio), Rubem Vasconcellos, esse canto de Ipanema se tornou uma exceção dentro da classificação de "princesinha do Rio", dada por ele ao restante do bairro e ao Leblon.
- Hoje, aquele pedaço é um sub-bairro - declara Vasconcellos. - O mercado imobiliário vive de uma emoção estável. O patrimônio não é adquirido com instabilidade. Quando tem instabilidade numa região, isso afeta diretamente o mercado nesse ponto.
De acordo com o dirigente, que também é presidente da imobiliária Patrimóvel, imóveis em boca de favela, como é o caso dos localizados no trecho do cruzamento entre a Barão da Torre e a Teixeira de Melo, chegam a cair 70% em relação ao seu valor real. O metro quadrado que, originalmente, vale R$ 9 mil, ali custa R$ 3 mil, segundo Rubem Vasconcellos.
O próprio Cantagalo, dominado pela quadrilha Comando Vermelho, também vem passando por transformação. Segundo um oficial da inteligência da Polícia Militar que atua na região, receosos de invasão dos rivais da Amigos dos Amigos (ADA) - que recentemente tomaram o Chapéu Mangueira, no Leme - traficantes da Favela do Dique, no Jardim América, da Mangueira e do Jacarezinho reforçam o tráfico no morro desde a morte de Robson Caveirinha, em março, uma espécie de supervisor dos morros da região.
Com um relativo enfraquecimento no movimento de venda de drogas, bandidos do morro estariam investindo em delitos no asfalto. A informação do oficial da inteligência coincide com declaração do delegado-titular da 14ª DP (Leblon), que, em reportagem publicada ontem no Jornal do Brasil, disse que bandidos de outras favelas estavam praticando assaltos em alguns pontos de Ipanema e Lagoa. Na ocasião, o comandante do 23º BPM, Carlos Eduardo Millan, se disse surpreso com o aumento de crimes praticados por moradores do Cantagalo.
Atualização em 2012:
Com a instalação das UPPs - Unidades Policiais Pacificadoras, tanto no Morro do Chapéu Mangueira quanto no Pavão-Pavãozinho, a situação mudou, valorizando todos os imóveis do entorno das favelas - agora comunidades - quanto aqueles dentro delas. Os barracos estão "pela hora da morte", já afastando os moradores de renda mais baixa.
José FRID
Um comentário:
Nada que esta' escrito neste artigo me espanta ou e' novidade. O carioca esta' imbecilizado ha quase trinta anos com Brizolas, Marcelos, Garotinhos e agora este. Qualquer um que acompanhou isso e que sem sucesso tentou fazer com que a maioria idiota da classe media entendesse a realidade sabe que a "favelização" do asfalto começou quando Brizola fechou os olhos para o trafico em troca de votos, de Sambodromo, e de passe livre para os drogados da Zona Sul comprarem bagulho no morro (inclusive a filha dele). Esses caras são tão idiotas que falam agora da desvalorização de Ipanema como se isso ja' não estivese acontecendo ha' muito em bairros como Vila Isabel, Tijuca e outros de menor glamour.
O processo e' irreversivel. O carioca se acha muito "ixperto" mas e' burro, mesmo. Tão burro que ainda fica a assistir crianças sendo trucidadas (veja o numero de crianças atingidas por crimes barbaros em 2007) e se limita a dizer que "isso e' um absurdo" e acha que vai resolver tudo, e fazer com que este governinho corrupto e inepto ouça a sua indignação apenas por fazer uma passeata no calçadão, que vai aparecer no Fantastico, num domingo de sol, tomando uma cervejinha e quem sabe fumando um baseado vindo voce sabe de onde. A burrice nunca traz resultados positivos, apenas mais burrice. Um abração. Ricardo.
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