sexta-feira, 28 de setembro de 2007

DO DICIONÁRIO DO DIABO - por Ambrose Bierce


Absurdo: uma afirmação ou convicção manifestamente contrária à nossa própria opinião.


Acrobata: um homem que dobra as costas para encher a barriga.

Adulação: veneno mortal que fertiliza a semente da corrupção natural.

Ajudar: criar um ingrato.

Alegria: uma sensação agradável provocada pela contemplação da miséria dos outros.

Casamento: condição ou estado de uma comunidade composta de um patrão, uma patroa e dois escravos, num total de duas pessoas.

Cínico: um canalha cuja visão defeituosa o faz ver as coisas como são, não como deveriam ser.

Citação: ato de repetir de maneira errada as palavras alheias.

Cristão: aquele que crê que o Novo Testamento é um livro de inspiração divina, admiravelmente indicado para as necessidades espirituais do seu vizinho. Aquele que segue os ensinamentos de Cristo até o limite em que não atrapalhem uma vida de pecado.

Dentista: um prestidigitador que, colocando metal em sua boca, puxa moedas do seu bolso.

Devasso: alguém que séria e obcecadamente perseguiu o prazer e teve a desgraça de obtê-lo.

Egoísta: pessoa de mau gosto, mais interessada em si própria do que em mim.

Emoção: doença prostrante causada pela sujeição da cabeça ao coração. Às vezes vem acompanhada de uma copiosa descarga de cloreto de sódio hidratado proveniente dos olhos.

Entusiasmo: doença nervosa que aflige os jovens e os inexperientes. Paixão que precede um bocejo.



Felicidade: sensação agradável proveniente da contemplação da miséria alheia.


Homeopata: o humorista da profissão médica.

Humildade: Paciência necessária para se planejar uma vingança que valha a pena.

Ignorante: pessoa desacostumada a certos tipos de conhecimento familiares a você e conhecedora de outros tipos que você ignora.

Insensível: dotado de grande força moral para enfrentar os problemas que acontecem aos outros.

Júri: um conjunto de pessoas designadas pelo tribunal para ajudar os advogados a evitar que a lei degenere e se transforme em justiça.

Lar: o lugar de último recurso - aberto toda a noite.

Médico: um cavalheiro que prospera com doenças e morre com saúde.

Moda: uma forma tão intolerável de fealdade, que nos vemos obrigados a alterá-la a cada seis meses. (Oscar Wilde).

Nepotismo: prática que consiste em designar sua avó para um cargo público, para o bem do partido.

Niilista: um russo que nega a existência de qualquer coisa, menos de Tolstoi. O líder da escola é Tolstoi.

Saúde: estado provisório que não pressagia nada de bom...

Pele-vermelha: um índio norte-americano, cuja pele não é vermelha – pelo menos não por fora.

Planejar: pensar no melhor método para atingir um resultado acidental.

Política I: arte de se fazer servir pelos homens, dando a impressão de os servir (Dumur).

Política II: a política passou para os domínios de uma aperfeiçoada arte de furtar (Eugénio Tavares).
Preguiçosos: seres que têm sempre o desejo de fazer alguma coisa.

Prudente: um homem que acredita em dez por cento daquilo que ouve, num terço daquilo que lê e em metade daquilo que vê.

Voto: instrumento do poder de um homem livre para fazer de si mesmo um idiota e de seu país um caos.


O norte-americano Ambrose Bierce (1842-1914), jornalista famoso pela sua irreverência viperina, foi sobretudo um satirista implacável, cuja metralhadora giratória não poupava ninguém. Ele pode ser descrito, porcamente, como o Millôr Fernandes do século XIX. Cultivando permanentemente a ironia ácida e o sarcasmo contundente, cético e cínico, com uma tendência irresistível para um pessimismo algo mórbido, mas também capaz de exercitar o humor negro (ou branco), apolíneo ou dionisíaco, Bierce pertence a uma família ilustre que tem entre seus antepassados Swift e Voltaire. Isso para não falar dos quase irmãos que se chamaram Oscar Wilde, Bernard Shaw e H. L. Mencken. Foi sobretudo um iconoclasta militante, sempre empenhado em demolir ou fustigar com o seu látego verbal acerbo políticos corruptos ou demagogos, administradores incompetentes na administração e competentíssimos nas suas falcatruas rapinantes, empresários desonestos, artistas medíocres, camelôs e charlatães da fé e, last but not least, poetastros.

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