terça-feira, 1 de abril de 2008

Arrufos Metropolitanos III


Se você não leu, leia o primeiro capítulo aqui

O segundo capítulo pode ser lido aqui

Agora leia abaixo o terceiro capítulo!


Ele estava tão absorto em seus devaneios que não viu quando ela saiu da fila com os bilhetes numa mão e a mala na outra. Ela olhou para ele e, mesmo de longe, viu a caixinha de veludo preto na mão dele e sua cara apalermada. Pressentiu tudo. E entrou em pânico!

Sem pensar, num átimo, mudou de rumo, passou célere direto pela entrada do Metrô e se dirigiu à praça de alimentação. Não estava preparada para o que imaginava que aconteceria. Nervosa, comprou um pão de queijo e um refrigerante diet para se acalmar. O que faria agora? Ele não tinha visto ela passar nem conseguiria vê-la de onde estava. Tinha um tempo até ele vir procurá-la. Acalmar-se era a meta agora. Para poder pensar no que fazer.

Aquela caixinha certamente continha um anel e, como não era seu aniversário, dia dos namorados ou Natal, só poderia significar um pedido de noivado ou de casamento. Ela se arrepiou toda com a idéia. E não era só a caixinha. O rosto dele dizia tudo. Apalermado, enamorado, enlevado. O que teria havido naquela semana para ele reagir assim?

E ela, por que teria entrado em pânico? Não se precipitara? Não sentia nada por ele? Não, não é que desgostasse dele, mas ele não era, no momento, tudo o que ela esperava de um homem. E só se comprometeria quando o outro fosse tudo para ela. Ele era simpático, carinhoso, boa companhia, divertido, bom sexo, mas ela esperava mais. Mais o quê? Exatamente não saberia dizer no momento, mas reconheceria na hora se topasse com alguém que tivesse esse "algo mais".

Sorriu ao se lembrar de um e-mail que demonstrava serem as mulheres curiosas e eternas insatisfeitas. Mostrava um "shopping de homens" no qual as mulheres podiam escolher o seu homem. Só havia uma única condição: elas deveriam entrar na loja pelo térreo e ir subindo verificando as "ofertas", sem poder voltar para o andar inferior. As "qualidades" físicas, financeiras, amorosas, sexuias, familiares, etc. dos homens iam subindo a cada andar, mas, mesmo assim, as mulheres acabavam indo até o último andar, a saída, ficando sem nenhum homem.

Hoje ela estava assim. Insatisfeita. Curiosa. Reconhecia que ele era um nível "três" ou "quatro", mas ela queria ver até o último, mesmo com risco de perdê-lo. Quem sabe poderia entrar na loja outra vez. A vida não era tão rígida como o shopping da piada.

Evitar o anel. E todo seu significado. Manter a porta do shopping aberta. Essa era o objetivo agora. Caso ela desse chance para ele fazer o pedido, estaria criando um problema, pois certamente não teria coragem de recusá-lo para não magoá-lo. E ficaria enredada em um compromisso nunca desejado até o momento. Lacrada a porta do shopping.

Ademais, tudo isso era uma loucura! Ele nem conhecia seus pais! Sua família, seus amigos, nada. Sempre tinha sido só os dois. Bastara. Mantivera ele afastado do seu pessoal. Por que fizera isto? Não saberia dizer. Aconteceu e só. Quando percebera, as coisas já estavam assim postas. Foi deixando, deixando, um dia a situação se resolveria, se necessário fosse. Agora pensando no assunto, ela se pergunta se não seria um sinal de que não queria compromisso com ele? Ou seria ao contrário, não gostaria de dividi-lo com ninguém?

Aquela semana sem vê-lo nem falar com ele mostrara que ela podia passar bem sozinha. Ou até melhor, quem sabe. Não sentira saudades dele, ou sendo mais sincera, nem lembrara dele naquela semana agitada em Avaré. E ainda percebera que estava aberta a novas relações. Ainda se lembrava do baile de ontem, como os homens despertavam seu interesse, seu desejo. Rodrigo, Gustavo, Paulo, Leonardo ...

A aceitar aquele anel teria que abrir mão de tudo, de mil possibilidades que ainda poderiam aparecer. Fidelidade era muito importante para ela. Enquanto o anel não pousasse no seu dedo, ela era livre. Nunca tinham falado de namoro, compromisso, essas coisas. Foram ficando, ficando .... até o maldito anel aparecer hoje daquela maneira.

Concluiu que tinha tomado a decisão certa de evitar o anel nesse momento. Entretanto, criara um problema para ir embora da estação. Ele estava plantado no Metrô. Ônibus não dava para tomar àquela hora, ainda mais com a mala cheia de roupas que não usara (um dia aprenderia, tinha esperança!). Sem dinheiro para táxi. Restava apelar para a família. Ia usar o celular quando lembrou que ele poderia ligar para ela. Orelhão seria a melhor opção. Mas não ali, que ele poderia chegar a qualquer momento. A fuga tinha que continuar.

Foi para baixo, na plataforma externa dos ônibus municipais. Chamou o pai para buscá-la, alegou o peso da mala e a hora tardia. Explicou que não ligara da parada na estrada porque não dera tempo. Celular descarregado também. Ele ficou feliz em resgatar sua princesa. Disse que levaria o Olavo, que morria de saudades. Enquanto esperava o pai, tinha que se esconder. Ficou atrás de um pilar, após a fila do ônibus urbano, na ponta da calçada. Dali ele não a veria nunca, mas o pai a enxergaria sem dificuldade. O problema era o cheiro de pipoca, que impregnava o ar. Será que resistiria? Seria necessário, pois o pipoqueiro estava do lado da rampa, por onde ele poderia surgir. Nem pensar em encontrá-lo agora! Como explicaria a fuga?

Esperando, conversa com seus botões. Por que ligara de Avaré para ele avisando a hora da chegada? Saudades? Não esquecera dele a semana toda? Ato falho? Certamente não era pelo conforto, comodidade. Ele não tinha automóvel, sabia que ele sugeriria irem de Metrô, pelos bons momentos. Como ocorrera e ela tinha aceitado. E arrastara a pesada mala até lá em cima. Que loucura a dela. Ligara por que, mesmo? Não podia esperar chegar em casa para falar com ele? Ou na segunda-feira? Já tinha passado a semana fora, custava ficar mais um dia? Se arrependimento matasse ....

O pai estava demorando. Quanto mais tempo passar, maior o risco dele encontrá-la. E o pipoqueiro não pára de fazer pipoca. Cheirosa, com bacon. É o fraco dela. "Vai dormir, homem de deus!" "Corre, corre, os fiscais vêm aí!" Ela tem que resistir. Procura na bolsa algo para comer e se distrair. Encontra um bombom amarelo meio amassado. "Serenata de Amor". Ganhou Del uma caixa quando partiu. Foi naquela mesma estação. Ele viera se despedir, até cantarolara ao entregar os bombons, ela se envergonhara toda. "Para lembrar de mim", dissera ele. Comera alguns na viagem, distribuiu outros durante a semana, restara aquele unzinho, solitário salvador.

Desembrulha-o com cuidado, coloca o doce na boca e lê a mensagem estampada no lado de dentro da embalagem: "Se você ama alguém, fale. Corações podem ser partidos por palavras que nunca foram ditas". Pronto. Complicou! "Ai! E agora, o que fazer?"

A seguir o "oráculo da paixão", como os dois batizaram aquelas mensagens impressas no verso da embalagem, ela deveria voltar e conversar com ele, colocar tudo "em pratos limpos", como se diz. Mas se ele não deixar ela falar, empurrar o anel na cara dela? Ou ajoelhar? Ou chorar? (ele é muito emotivo, chora à toa no cinema) "Ai! E agora, o que fazer?"

Nunca lera sozinha as mensagens. Só achava graça delas lendo com ele. Teria validade lendo sozinha? Ou podia se referir a outro casal, ela com outro homem, alguém de Avaré. Que falta fazia um amiga naquela hora. Nunca se sentiu tão sozinha. Está com vontade de chorar. Escuta uns latidos esganiçados, um carro, papai! Salva, enfim!

O pai quer fazer graça, ela o apressa, "vamos rápido que preciso ir ao banheiro" diz ela. Está em fuga, não tem tempo para churumelas. Ele pega a mala, verga com o peso, reclama, ela entra no carro com cuidado para não deixar o Olavo escapar, buzina para apressar o pai, ele bate o porta-malas, corre, entra, bate a porta e sai cantando pneus (não bem cantando, só assobiando). Ela dá uma "banana" para o pipoqueiro – resistira – e se assusta com a imagem do "senhor do anel" ao pé da rampa.

Será que ele a enxergara?

Próximo capítulo em breve, neste mesmo canal!

José FRID

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