"Treino é treino, jogo é jogo" já disse um dos filósofos do futebol.
Apesar de treinar um pouco pelas ruas do Klabin, não o necessário mas o possível, até por isso mesmo eu estava preocupado com a corrida. Será que chegarei ao final em bom estado? A primeira prova da minha temporada "atlética" de 2009.
Para afastar as dúvidas, resolvi inspirar-me em dois atletas que deram a volta por cima, Ronalducho e Rubinho pé-de-chinelo. Se um voltou a fazer gols na banheira e o outro retornou da aposentadoria para os segundos-lugares de costume, eu regressaria às pistas com sucesso, isto é, devagar e sempre!
No sábado já deixei pronto o enxoval da corrida, com medo de esquecer de manhã algo importante que pudesse comprometer o bom desempenho: tênis, chip de cronometragem, meias brancas de algodão, short vermelho com muitos bolsos, camiseta do tigre da Clemson, boné da Maratona de Curitiba, tira elástica do Bob Esponja, potinho de vaselina, documentos, dinheiro, relógio, três sachês de Powergel, duas garrafas de isotônico .. os óculos? Do lado da cama como sempre. Não dou um passo sem eles!
5:30 do domingão. Pulo ao primeiro sinal do relógio, mas tenho a impressão que mal dormi, sonhei acordado, preocupado com a hora. Bocejo e já corro para vestir a parafernália da corrida, encher os bolsos do calção com a tralha, não há tempo para raciocinar. Jogo o café da manhã para dentro, vejo se as cadelinhas não morreram, troco a água, limpo a caixinha do banheiro das meninas e parto para a luta.
6:05 já saindo da garagem. O dia está nascendo, torço para que o sol não fique muito forte. Ruas vazias, só eu para rodar nesta hora. Contorno o Ibirapuera, túnel Tribunal de Justiça, Juscelino, passo em frente ao Juarez de agradáveis memórias, o tráfego já aumentou, desvio do túnel Jânio Quadros – a avenida do Jóquei esta fechada por causa da corrida, entro na Marginal, aparecem as faixas da organização da corrida avisando os fechamentos de ruas e desvios de tráfego, subo na ponte da Euzébio, pego a Vital Brasil, estou no horário programado, o tráfego começa a apertar, entro na Corifeu e paro: São Paulo em toda a sua grandeza, as duas pistas tomadas pelos carros, nem são seis e meia! Achei que estava adiantado, mas o povo corredor é mais apressado do que eu.
Pelo visto, além de tênis, paulistano precisa de carro para correr! Vou me arrastando pela avenida até o portão de entrada da USP. O mar de automóveis deságua nas alamedas do campus, já com milhares de carros estacionados. Nós, agora atrasados - que horas acordaram os que chegaram antes? - estacionamos no primeiro cantinho que achamos. Conclusão: tivemos que dar uma longa caminhada até alcançar a área de largada da prova. Serviu de aquecimento, pelo menos.
A fila costumeira do banheiro - não dá para correr com qualque tipo de spbrepeso, o cheiro horrível dos sanitários químicos, a confusão para achar o setor de largada conforme a inscrição: organizar cerca de doze mil atletas não é fácil! O sistema de som interrompe a música para avisar que o mundo caiu na Malásia e a corrida foi encerrada. Rubinho em segundo lugar no campeonato, quem diria! Meu garoto!
A largada é dada pontualmente às sete e meia. De onde me encontro observo o mar de corredores na minha frente, vou demorar a sair. Olho para trás e outra multidão segue até onde a vista alcança. Uns três, quatro minutos depois, começamos a correr, ou melhor dizendo, a tirar o pé do chão para o outro não pisar. A sorte é que a avenida é larga e permite uma maior distribuição dos corredores, as pessoas não se esbarram tanto.
Uma curva e estamos correndo sob as árvores, outra curva e já estamos na reta da raia de remo. Uma bateria de alunos da USP recepciona os corredores, acorda os poucos ainda sonolentos. Mais adiante outra bateria animada e deixamos a USP rumo ao Jóquei Clube, quatro quilômetros já foram devorados pelos famintos de asfalto.
Cinco quilômetros e a turma à minha volta começa o piquenique sacando os saches de carboidratos, engolidos com goles de isotônicos. É preciso reforçar as forças, tem muito chão pela frente.
Depois das baterias animadas, música eletrônica. DJ na passagem subterrânea Zerbini, caixas imensas, som agressivo, corações pulsando mais forte, luzes colorindo as paredes e teto de concreto. Penso que a prefeitura poderia ganhar um dinheiro alugando o local para festas descoladas dos moderninhos.
Quando saio da passagem subterrânea começo a ver corredores já voltando no maior pique, no sétimo quilômetro. Começou a humilhação! Não ligo e vou no meu ritmo, devagar e sempre, observando a paisagem, o trânsito, as pessoas, os buracos das ruas.
Correndo na Avenida do Jóquei noto a ausência das meninas ou meninos que ali trabalham - é que nem pôquer, tem que pagar para ver! (o sexo da criatura). Estranho, pois eles estão lá diuturnamente a satisfazer as necessidades da população motorizada. Mais alguns passos pela avenida e cai a ficha: com o trânsito fechado não há clientes! Belo prejuízo! Para ambos os lados! Tem gente a essa hora se satisfazendo sozinho!
Talvez as meninas/meninos consigam recuperar o prejuízo com parte dos 12.000 corredores: alguns gostarão de comemorar o resultado da corrida "à lá Ronaldão"!
Sempre em frente, passo por um corredor vestido de garçom, segurando uma bandeja com dois copos. Tem gente que faz tudo para aparecer. No Rio sempre tem um cara descalço e vestido com folhagens. Mas onde pululam corredores fantasiados é na São Silvestre, o pessoal passa o ano todo preparando o modelito!
Passa por mim uma mulher com a camiseta da Maratona de Chicago – 2006. Como já escrevi outras vezes, corredor gosta de mostrar seu currículo através das camisetas e bonés de provas anteriores. Gravo o número dela para conferir depois, fez bonito, completou em duas horas.
Agora passo por um carioca com a camiseta da Meia Maratona da Barra, da equipe Chão do Aterro. Esse ficou para trás, chegou dez longos minutos depois de mim, digamos que comeu poeira do chão que piso. Chego num grupo de Recife, a Turma da Jaqueira, muito animados mas lentos, passo de passagem, vai ver têm gomos da fruta no bolso, o visgo não deixa correr.
Na minha frente uma moça com a camiseta suspensa e calça de malha cinza, cintura baixa, baixíssima. Pronto, congestionou!! A homarada não quer passar a mulher, só desfrutando daquele pedaço de costas nuas, duas covinhas no fim da coluna, esperando a calça descer ou subir o top ... mas ela acelera – percebeu os olhares gulosos? – e parte arrastando aqueles mais capazes. Eu vou ficando por ali, admirando a paisagem, controlando a respiração, etc. e tal.
Ao longo de toda corrida existem ajudantes de pista, principalmente moças, que ficam o tempo todo animando os corredores: bom dia, vamos lá, animação, não desiste, tá chegando, falta pouco, etc. No começo os atletas respondem, brincam e até conversam com elas, mas do meio para o fim a maioria mal consegue acenar ou menear a cabeça em resposta aos seus estímulos.
Os quilômetros vão se sucedendo monotonamente, a tropa vai correndo, copos de água são servidos, a turma vai em frente reta a reta, curva a curva, todos irmanados num mesmo ideal (lindo não?). Nem parece que o pessoal acordou por volta das cinco num domingo!!
Entramos numa rua estreita, décimo quilômetro mais ou menos, engarrafaria com os doze mil atletas se a distância já não os tivesse dispersado. Vejo na calçada uma escadinha de crianças, uns cinco, todos descalços, camisetas, short ou saias, com as mãos esticadas esperando os tapinhas dos corredores. Clientes do Bolsa-família com certeza.
Quase chegando na avenida, duas mulheres caminhando, arrumadíssimas para aquela hora, sapatos de salto alto, saia, camisa, cabelos presos, maquiagem, bolsas finas, a homarada chama-as para correr, perguntam aonde vão e outras gracinhas típicas de quem tem que se distrair do esforço insano. Elas, aprumadas, não dão confiança àquele grupo de homens fedidos e suados.
Entramos na avenida larga, pela contramão, rumo à Praça Panamericana e ao Parque Villa-Lobos. O pessoal se espalha, cabe todo mundo numa boa, é só ter perna. Agora a platéia é outra, já são convidados dos corredores que vieram dar apoio e tirar fotografias. Meu pessoal ou tá dormindo – justíssimo numa manhã de domingo – ou viajou. Conto com incentivo do pessoal da organização e poso para as câmeras dos profissionais das corridas.
Encosto na moça com a camiseta suspensa, só que agora está abaixada, quase não a reconheci sem as covinhas. Corre tranqüila, sem ninguém por perto. Encosto é modo de dizer, pois ela acelera e parte outra vez. Será que eu sou o problema? Tou fedendo demais? Respiro fundo, não é comigo não.
Uma faixa indica que alcançamos a metade da corrida. O cara ao meu lado diz que isso é muito animador, eu respondo que ainda falta o mesmo tanto que corremos. Ele nem responde e foge de mim com medo de se contaminar com meu pessimismo. É aquela coisa de copo meio cheio, meio vazio, que o engenheiro soluciona dizendo que o vasilhame tem o dobro da capacidade necessária.
Uma das baterias da USP veio tocar para a gente no canteiro central. Povo animado! Acho que nem dormiram, devem ter vindo direto de alguma festa universitária para o treino musical. Contornamos a praça e pegamos a mão correta. Muitos cachorros trouxeram seus donos para passear, ambos impacientes para cruzarem as pistas em direção ao parque, os corredores atrapalhando o passeio.
Chegamos ao Parque Villa-Lobos, contornamos o canteiro central e começamos a voltar pela outra pista. Agora estamos correndo em direção à chegada, cada passo são menos centímetros que faltam. Reparo o espírito esportivo do grupo, ninguém tenta abreviar a corrida passando pelo canteiro central. Também, acordar tão cedo, enfrentar engarrafamento, se esfalfar na pista e depois cortar caminho, não faz o menor sentido. Enganar a quem?
Reparo na camiseta da corredora à minha frente, com o símbolo "ARPAM". Aproximo-me para ler: Associação Ribeirão Preto de atletas máster. A mulher aparenta ser mais nova do que eu, donde concluo, para minha surpresa, que também sou máster! Quase desisto de correr com essa revelação, o peso da idade parece chumbo nos meus pés.
Quilômetro 14, a tal da máster comemora a marca dizendo que já estamos chegando, eu falo que ainda faltam sete, ela retruca que é só metade do que já corremos, eu acelero e parto para encerrar a conversa, otimismo versus realismo.
Agora de volta à praça e a bateria da USP, o pessoal não cansa de fazer barulho, entramos no acesso à Marginal, passamos pela Ponte Universitária, o rio Pinheiros é lindo olhado de cima, sem sentir o cheiro das suas negras águas. Estamos chegando, o pessoal se reanima, a moça levantou a camiseta novamente, as covinhas arrastam uma multidão de corredores para os quilômetros finais.
Entramos na USP, raia de remo, corremos sob as árvores, os sons da outra bateria anima os atletas. Temos que ir até o fim da avenida e voltar até a metade, entrar numa alameda, subir até a praça e a chegada está lá, esperando ansiosamente a gente. Novamente flagro o espírito esportivo do pessoal, ninguém pula o canteiro divisório, alguns se alongam tentando superar as câimbras, mas não desistem.
Passam por mim atletas cegos, fico admirado com eles, deve ser uma experiência incrível correr sem enxergar, confiando só no guia. Do outro lado vejo um corredor com prótese na perna, tipo lâmina metálica, mandando ver. E nós reclamando do calor, dos buracos, dos tênis ....... Com esses exemplos me reanimo e sigo em frente, vou passando por uns, outros me passam, cada um com sua meta, seu fôlego.
No quilômetro 20 a máster chega perto e me chama para a arrancada final. "Vai que eu vou atrás", ela vai, eu fico, que arrancada final, que nada, devagar e sempre é o meu lema. Depois verifiquei que fiz um tempo menor que o dela. Eu é que mereço o chope do Pingüim de Ribeirão Preto!
Passada a faixa de chegada, missão cumprida, zerar cronômetro, conseguir tirar o chip do tênis sem cair no chão. Encontro a Celsi, grande guerreira das corridas, nós dois falando pouco para ganhar fôlego, merecemos medalhas. Devolvo o dito cujo, ganho a medalha – um metal cinza fosco, gosto mais das coloridas – o lanchinho e, surpresa!!, um minúsculo ovo de Páscoa!! Que, como chocólatra, devoro na hora, antes que amoleça ao sol senegalês.
Procuro meus amigos corredores, Sérgio da Catarina, Toninho, Alberto, mas é muita gente, não consigo encontrá-los. Chegaram antes ou depois de mim? Não os encontro mas sou achado pela americana de Clemson em função da pata do tigre – veja as fotos acima e leia aqui – numa incrível coincidência. Imagina se eu estivesse fazendo alguma coisa errada?
A caminhada até o carro, em subida, é feita devagar, todos conversando, comentando as experiências da corrida, planejando as próximas provas, águas passadas não movem moinho.
Em resumo, uma bela manhã de domingo!!
24 de maio tem mais, lá na USP mesmo! Quem sabe na companhia do Renato "corta vento"!
José FRID
14 comentários:
FRID !
QUE PATA COR DE ROSA É AQUELA EM SUA CAMISETA ????
VOÇÊ AINDA NÃO APRENDEU ............ VAI DORMIR CARA !!!!!
L.
Coisa de macho!!
Pata de tigre e não é rosa não!!!!!
FRID
Parabéns, atleta. Um dia chego lá, se Deus quiser ....
Bom final de semana.
G.
Atleta não, diletante!!
Bom fim de semana, que parece ser gelado!!
FRID
Parabéns!
Parece a Angelina Jolie saindo da academia.
M.
Acho que você viu a foto errada!!!
Sou o homem com a camiseta do tigre!!
FRID
e lá vai o Filho do Vento!!!!!!!!!
I.
Correndo para as brahmas!!!
FRID
Ai que inveja.... parabéns continua firme, após a cirurgia...
quando eu tiver sua idade, quero estar em forma desse jeito.
abraços
E.
Minha idade?? Sim, você chega lá!!!
FRID
Meu amigo Frid, brilhante o texto li com atenção, só não entendi que a parte em que você narra que guardou o nº da corredora que estava com a camise da Maratona Chicago de 2006, eu não teria força para lebrar nen que vi tal camiseta após correr 21Km
Você esta de Parabéns
Belo Texto.
S.
Caro Frid,
parabéns por ter aguentado, mais esta vez. Não sei se chegou a comentar, mas
desde qdo é que vc e porquê vc decidiu ser um maratonista?
Bom fim de domingo,
Z.
Nei sem bem como, talvez algo no estilo do "Forrest Gump"!
Oi, gatão!
Você está ótimo, não deve parar, persevere sempre, pois eu sou uma baita preguiçosa, nem academia faço, mas estou bem.
Adorei te ver nas fotos, meus parabéns.
Força e coragem hoje e sempre.
M.
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