Véspera de Natal, shopping lotado, loja de roupas femininas. Preciso ainda comprar três presentes para parentas. Parentas, sim, a mulher não quer ser chamada de presidenta? Eu gosto de minhas parentas, que também está no VOLP – Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. Apenas três homens na loja: eu, o segurança e ele. Espero minha mulher e minha filha experimentarem um milhão de roupas, para depois decidirem que comprar. O segurança está de olho nas clientas (que não estão no VOLP) e nas peças que elas têm nas mãos. Mulheres gostam de tudo e nem sempre o dinheiro dá, vem a tentação, a cabeça fraqueja .... está lá o segurança para por ordem na casa!
O rapaz também está de olho na clientela, também pela tentação, mas agora é a dele. Barba rala, cabelos curtos, jeans, camiseta e tênis. Está sentado num tamborete na entrada dos provadores. Se esticar o olho consegue até ver uma troca de roupa por alguma porta entreaberta. Com o entra e sai das clientas, sua cabeça parece um ventilador, oscilando de um lado para outro a cada mulher que passa. Feia, bonita, gorda, magra, alta, baixa, nova, velha, não importa: basta ser do sexo oposto e ele crava os olhos. Parece que ele nunca viu mulher. Ou que faz tempo que não toca em uma ...
Além da cabeça oscilante, ele chama a atenção pela camiseta que usa: um enorme "Super Pai" encimando o escudo do Superhomem. Tenho um pijama de "Supermarido" e sei o que significa esse super: nada. E aqui temos um super pai perdendo a cabeça numa loja feminina. Cadê os filhos? E onde está a mulher dele? No provador? Enquanto ela prova, ele olha ... pernas, seios, virilhas, umbigos, traseiros, etc., o que passar na altura dos seus olhos. Rostos quase não vê, pés de vez em quando aprecia.
Agora somos dois a observá-lo. O segurança percebeu a sua movimentação e está com um olho nele e o outro nas clientas. Um dos olhos zela a moral, o outro o patrimônio da loja. A gerenta, fora do VOLP, tudo sabe, tudo vê.
Véspera de Natal significa verão. Verão carioca. Mulheres acaloradas, shortinhos, bermudas, saias curtas, camisetas cavadas, vestidos largos, sandálias, altas ou rasteirinhas, tudo na altura dos olhos do super pai. Ele não deixa escapar nada, inclusive minha mulher e minha filha, que já entraram e saíram dos provadores várias vezes, sem decidir nada. Devo tomar satisfações? Melhor não, vai que é super ...
A posição dele é estratégica, pois está sentado exatamente no encontro das duas partes da loja, que fazem um ele. Reparo que além de fiscalizar as clientas da loja, o cidadão de vez em quando olha para a porta que dá para o corredor lateral, onde estão outras lojas femininas. Espera alguém ou busca novos visuais?
Minha observação antropológica é interrompida, de quando em quando, pela minha mulher e/ou minha filha, que perguntam minha opinião sobre algumas das peças por elas experimentadas. Com sou experiente no assunto, não em moda, mas nelas, digo logo que todas as roupas estão boas, é uma questão de estilo e gosto pessoal. "Você não entende nada!" Melhor assim, preciso ficar de olho no super pai.
Onde estará a super mãe? Ainda estaria a experimentar roupas no provador? Ou teria levado as super crianças no banheiro do shopping, deixando nosso herói desprotegido, à sanha daqueles corpos desnudos?
A gerenta, que tudo sabe, tudo vê, principalmente o caixa da loja, resolve dar uma animada nas vendas. Troca o som de fundo por música eletrônica agitada, daquelas que mexem com o sistema nervoso, simpático e parassimpático, aceleram a circulação e a respiração, descarregam adrenalina, causam espasmos musculares e surtos esqueléticos, ou seja, não deixam ninguém parado.
Na primeira música as vendedoras já começam a dançar em ritmo frenético, mais uma música as clientas começam a entrar no ritmo, e mesmo nós três homens balançamos os pés discretamente, sem conseguir resistir àquelas músicas-chicletes. O segurança chega a dar soquinhos nas mãos no ritmo do "baticum". As mulheres passam dançando na frente do super pai, que agora dança mentalmente com elas, os pés marcando o passo, as mãos batendo nas pernas emulando a percussão. Noto nele até um leve movimento corporal lateral.
Uma vendedora estaciona na frente dele à espera de novas clientas que serão atraídas pela balada. Ela também dança, mas discretamente, pois não pode espantar a freguesia. Mesmo no seu contido balançar, os zíperes dos bolsos traseiros do seu shortinho oscilam freneticamente, deixando nosso cidadão alucinado, com olhares fixos nos reflexos do metal prateado. E quem vê os zíperes, repara no que está entre eles ...
Uma mulher grávida para na porta da loja. Será a música que lhe atraiu? Na loja não há nada para aquela barriga de oito, nove meses. Por outro lado, pode estar a comprar presentes para parentas mais ajeitadinhas. Uma vendedora prestigiosa a ela se dirige, mas é dispensada rapidamente. A futura mamãe entra furiosa na loja e dá um safanão no super pai, distraído a olhar zíperes. Ele se assusta e levanta num salto, proferindo algumas palavras desconexas, esboçando desculpas. A dona do barrigão fuzila com os olhos a proprietária do shortinho, prende o braço do futuro pai e o arrasta para fora, num trajeto desconjuntado.
O segurança fica aliviado com a cena, pode agora se dedicar só ao patrimônio mercantil. Ele muda de posto e comenta com a gerenta que o cara está na "seca", comendo só com os olhos, qual criança olhando vitrine de doces.
Com minha pesquisa de campo bruscamente encerrada, tenho tempo para analisar o material recolhido. Será que o comportamento dele é por causa da barriga dela? Um casal tão novo com certeza sabe que sexo não atrapalha a gravidez, até ajuda. Ou a greve de sexo é por causa do comportamento dele, sem poder ver mulher? Uma situação "Tostines", que vende mais por ser fresquinho ou é fresquinho por que vende mais? Será que ele chegará a ser pai? Ou super?
José FRID
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2 comentários:
Muito bom,gostei.Envie mais.Obrigada
M.
Frid,
Ri muito ao ler esta crônica.
Sds
K.
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