quarta-feira, 11 de abril de 2012

Cena paulistana: O blindado e o camelô


O sol poente esvai-se entre os prédios. O carro-forte rola pelo calçadão da São Bento qual um majestoso rinoceronte na savana africana. Pedestres, subjugados pelo volume do rinossauro, espremem-se contra os edifícios. No comando do blindado um parrudo segurança, teoricamente muito bem treinado. Sua missão é levar em segurança os tesouros amealhados pelo caminho. Qualquer problema, ele aciona o alarme e o rádio para a central: os policiais chegam em minutos.

De tempos em tempos, seu copiloto indica o ponto de coleta.  O motorista para o veículo. Momento de tensão máxima e vulnerabilidade total. A tropa aguarda. Ele observa o entorno pelos mil espelhos e câmeras. Sem ameaça visível, abre a porta lateral.  Da couraça do bicho saem velozes e assustadiços seres armados até os dentes, que executam o balé de segurança exaustivamente ensaiado: sai o primeiro e aponta a arma para um lado e para o outro. Desce o segundo e repete os movimentos. O terceiro passa entre os dois com a escopeta e vasculha o território à frente. Por último sai o carregador de peso com seu malote. Entram nas modernas cavernas de Ali Babá e voltam correndo com tesouros ocultos para a segurança das sólidas polegadas metálicas. Trancados no carrossauro, ficam confiantes nas toneladas de aço e vidro blindado, resistentes aos ataques de quaisquer bandos de velociraptores. A confiança é grande, mas não irrestrita, como mostram as inscrições nas laterais do veículo: "as chaves do cofre encontram-se na administração". Dentro do cofre ambulante, outro singelo cofre à chave! Como sempre, os tesouros valem mais que os seres humanos!

Na altura do Largo do Café piratas estão à espreita dos bolsos dos desavisados com ofertas imperdíveis dos mais variados produtos. Área de risco. Os dois homens na frente do carro-forte estão atentos ao que acontece, podem existir predadores ocultos disfarçados de camelôs, só esperando o momento certo para sangrar os cofres. As regras de segurança exaustivamente encalcadas nos cursos são revistas mentalmente, principalmente aquelas sobre não deixar ninguém se aproximar da máquina e não destravar as portas em casos fora do manual.

Eles examinam metodicamente cada ambulante e sua mercadoria, trabalho facilitado por espremê-los contra as paredes. O motorista estanca o veículo diante do número 315. O copiloto, surpreso, verifica sua planilha mas não encontra o imóvel. O motorista aponta um dos piratas: "meu filho pediu". Os quatro no cofre percebem a parada do veículo e aguardam a liberação da saída da tropa. O chefe da equipe de rua não reconhece o lugar: cliente novo? Na dúvida engatilha sua escopeta, como manda o manual. O motorista buzina. Os guardas internos não entendem. Algo errado? Na dúvida, sacam as armas.

Um dos camelôs  desgruda da parede e se aproxima temeroso com uma placa de papelão dobrável com inúmeras capinhas de CD's com jogos e softwares  diversos. O motorista aponta um deles. Esfrega o polegar no indicador da mão direita. O camelô mostra cinco dedos. O motorista passa uma nota de dez pela pequenina portinhola. O ambulante devolve o troco  e mostra a caixinha do CD. Impasse. Como receber a mercadoria adquirida? O copiloto diz que se a porta for aberta, o alarme irá tocar na central. O outro responde que se abrir a porta do cofre parecerá uma coleta normal, já que estão parados. Ele comanda a fechadura elétrica, os seguranças saem armados fazendo seu balé e cercam o camelô. Os ambulantes vizinhos se assustam e gritam "olha o rapa", provocando uma reação em cadeia, com os camelôs recolhendo rapidamente suas coisas e correndo pela rua como um estouro da boiada. Os dois seguranças riem do povo espantadiço.

O escopeta recebe o CD e todos se recolhem ao cofre. Missão cumprida. O ambulante grita: "Qualquer problema é só trazer que a gente troca"!  O carro-forte volta a percorrer lentamente a savana em direção ao Mosteiro de São Bento. O copiloto verifica no relógio da São João que estão um pouco atrasados. De repente o veículo é imerso em uma onda de camelôs, que agora correm em sentido contrário. Ao fundo escuta-se uma sirene nervosa de um carro de polícia, que estanca ruidosamente bem em frente do carro-forte. Quatro policiais descem com seus fuzis e cercam o blindado. A central berra no rádio ... assalto? 


José FRID

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12 comentários:

Anônimo disse...

excelente, agradeço o envio.

abração,

ervin

Anônimo disse...

Esta é na minha seara. Trabalho na rua Boa Vista, em frente a 3 de dezembro. Assalto? É a pergunta que mais me faço, após grandes sustos toda vez que desço para andar neste centro tão lindo e contraditório, com belas construções e o agito louco do povo e da polícia, do espurgados da cracolândia. Assalto? Sim, assalto! Roubaram nossa paz!
Kisses, e um dia desses, quando passar por aqui, poderemos tomar um café no Girondino, Sem assalto!

Fátima

Metamorfose Ambulante disse...

Quem convida, paga!! O centro é lindo e vivo, estou sempre escrevendo sobre ele (clique no meu blog no "centro de São Paulo" na lista da direita).

E os carros-fortes são folgados, empurrando os pedestres!

Bom fim de semana!

Anônimo disse...

Muito bom!

Margarida

Anônimo disse...

Frid
Não vou cansar nunca de me admirar com seus textos . Imagino que quem escreve tão bem tem muita riqueza interior e, ela aparece delineada pelas cenas do cotidiano escritas de forma tão expressiva, diferente, linda!
Já falei e escrevi, sou sua fã!

Márcia

Metamorfose Ambulante disse...

E eu já falei: fico encabulado!

Bom fim de semana!

Anônimo disse...

Frid
Não vou te deixar mais encabulado . Vou curtir sem me expressar, o que é difícil pra esta "persona" aqui.
Por isso só desta vez e não mais... Vc daria um "escritor oficial", tenho certeza que teria muito sucesso! Mas será que sua alma quer?

Bom fim de semana
Márcia

Metamorfose Ambulante disse...

Não!!!!!! Pode expressar suas opiniões, gosto de ficar encabulado!!!

O que minha alma quer??? Esse é o meu maior problema. Ó alma, diga para mim!!! Sonhos, desejos, coisas mais complicadas de se determinar!

Sou um ser ao sabor do vento e, como já disse Sêneca, não há vento favorável para quem não sabe para onde ir ....

Desculpe alugar seus olhos!!

Bom fim de semana!!

FRID

Anônimo disse...

Frid, meu Amigo !

É Voçê quem bola estas estórias ou copia ???

Abraços, Galvão.

Metamorfose Ambulante disse...

Tudo da minha cabeça!!!!

A culpa é só minha!!!

Vamos trabalhar que hoje é terça!!

Grande abraço!

Anônimo disse...

Urrrrrrrrrrrraaaaaaaaaaaaaaaaaa , Frid !

Que larga imaginação esta sua !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Abraços, Galvão.

Metamorfose Ambulante disse...

Mente ociosa tem que inventar histórias!